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segunda-feira, 3 de agosto de 2015

VII UTNLO



Lá fui ao VII UTNLO, uma Prova em que o cenário medieval nos envolve à partida e à chegada e, entre uma e outra, nos entranhamos, noite fora, pelos penhascos, pelas dunas consolidadas (umas sim outras não), pelos pomares de pêra rocha (ainda não apanhadoira), pelos eucaliptais de folhagem reflectora, quais estrelas de prata num festival “luminotécnico” , pelo charco da Lagoa (e de alguns dos seus braços), pelos passadiços de madeira da praia, ora trepámos com o auxílio de cordas ora descemos com o das “nalgas” e dos cotovelos.  E a festa durou até ser dia.
Chegada a Óbidos .Encaminho-me para o local da entrega dos dorsais, onde decorria exposição de material adequado à modalidade. Ainda pensei em comprar um frontal, mas pensando bem, ponderando os preços por um lado e a qualidade do atleta por outro, o que tinha comigo haveria de dar luz suficiente para iluminar o caminho. Fica para outra altura. Muita gente conhecida, muita gente amiga, cumprimentos da praxe, conversas de circunstância e….estava na hora de comer qualquer coisa que servisse de jantar fora das horas habituais.
Equipo-me : calções,singlete sobre camisola de manga comprida, peúgas de compressão (ou meia compressão) sapatos todo-o-terreno (ou meio todo-o-terreno) e o tal frontal (ou meio…bom, já chega). E o que levar mais, que não encontrasse nos abastecimentos e que me fizesse falta? OK, um cinto com dois boiões de água e uma bolsa para pôr o telemóvel, lenços de papel e coisas que já estava mesmo a ver que não ia utilizar: uma barra energética e géis, mas lá fui carregado com aquilo, pois nunca se consegue prever com exactidão o que lá vem.
Chego ao Jogo  da Bola, local da partida simbólica. Já havia muita gente. Nem consegui encontrar o pessoal da minha equipa para a foto. Lá estava o Sabino, no mesmo sítio do ano passado  e o Fonseca (e os filhos, que estão a seguir as passadas do pai) também no mesmo sítio do ano passado e a Paula, sua esposa , que ainda captou esses momentos.
Homenagem – Após as recomendações dadas pela organização, foi prestada homenagem ao João Marinho, cujo corpo foi encontrado poucas horas antes lá nos Picos da Europa, onde desaparecera em Novembro. Ele, que adorava os desportos de aventura, tal como todos aqueles que ali estavam para correr em Óbidos. Um momento merecido e sentido pelos presentes.
Entre partidas– Olha o Rui Vieira, o homem forte de Tagarro! Lá fomos conversando. Dantes, o pelotão, embora a trote, ainda podia ir correndo ao longo da histórica Rua Direita. Isso deixou de ser possível, pois é grande o número de atletas, grande o número de turistas e estreita a rua. Esse trajecto teve que ser feito a passo, sem a espectacularidade de outros tempos. Mas já lá vamos.
Partidas – Junto à porta principal do Castelo havia dois pórticos: um correspondia à partida dos 55Km (diziam eles) e  dos 10Km, outro dos 25 Km. Olha a malta da ACB : Nuno Sabino, Pedro Burguete, Paulo Saramago e Sérgio Cajado. “Fernando, vamos para 10 horas!, queres vir connosco?” –pergunta-me o Pedro . Resposta :”-Eh pá, isso também me parece muito, tenho que me despachar mais cedo!” Mal sabia eu…
Começo – Necessariamente calmo, com prudência, pois  sabia que as dores na canela esquerda, que me tinham surgido há 3 dias, apesar do repouso e do voltaren que apliquei, poderiam acordar e obrigar-me a abandonar.  Felizmente, não me atormentou o que me tornou mais confiante. Pode ser que tenha passado.
Primeiros Kms – Ainda com os atletas muito aglomerados, chegam os primeiros obstáculos difíceis de transpor e que obrigam a uma grande acumulação, pois só passava um de cada vez e… a subir.  Aqui, aqueles que tencionavam correr em grupo, tiveram dificuldade em não se dispersar, com paragens lá mais à frente, para reagrupamento. Assim fizeram os amigos dos Run4Fun, cuja numerosa equipa alcançou excelentes resultados no final (e chegou junta).
O percurso foi “tramado”! Ainda há quem diga que esta prova é muito “corrível”, mas eu digo que é mais “trepável” . Dos 55 Km (diziam eles!) talvez 20 fossem adequados à corrida. Estou a lembrar-me do 1º Km e da parte que envolve a Lagoa, entre os dois últimos abastecimentos. As outras partes em que, eventualmente corri, ficaram “abafadas” com o “trauma” das escarpas que, se não fossem as benditas cordas, ia ser o bom e o bonito.
Os abastecimentos estiveram irrepreensíveis. Cumpriram integralmente o prometido. Líquidos onde era para ser líquidos, líquidos e sólidos onde era para ser líquidos e sólidos. E quando havia sólidos, oh-lá-lá…bolachinhas de baunilha, biscoitinhos doces e salgados, batatas fritas, peras cortadas em quartos, laranjas, tomate com sal, melão, melancia! MELANCIA!!! Ahhhh que bem sabia. Havia ainda mais coisas, mas eu só via a MELANCIA . O meu receio era empanturrar-me e ficar com o estômago às voltas (o que é muito fácil). Vá, comi também duas bolachinhas de baunilha) em cada abastecimento e caíram-me bem. Aproveitava e voltava a encher os boiões: um com água e outro com coca-cola. Eu, que no dia-a-dia tenho andado abstémio em relação à coca-cola, nestas provas fico completamente obcecado com ela. E sabe-me bem. Se faz bem, isso já não sei.  
Não fazia a menor ideia dos sítios por onde andava. Mesmo as localidades que atravessávamos, não tinham toponímia à vista (pois não lembraria ao diabo colocar placas a quem aparecesse dos fundos do descampado.)  É claro que se tivesse o mapa na ponta da língua, ou aqueles tracks xpto saberia, mas eu tenho a mania de me guiar pelas estrelas mesmo sem perceber nada de astronomia.
Noite fora fui progredindo, sem saber que tempo tinha de prova (nem perguntei  a ninguém para não me desanimar ou me iludir).
Logo após o terceiro abastecimento, ao entrar na zona costeira, encontro a Analice que lá ia, sozinha, com a sua disposição de sempre, passada  bem ritmada com o movimento dos braços e pensei que teria ali uma boa referência para cumprir o resto da prova. Ao mesmo tempo, sabia que iria entrar numa zona mais complicada do percurso em que qualquer atleta em solitário, àquelas horas da noite, não se sentiria muito à vontade. Falo por mim, obviamente. Impressionantemente, a Analice parecia estar mais à vontade que eu a ultrapassar os obstáculos que a zona de arenito nos colocava pela frente. Lá fomos, correndo quando podíamos correr, andando quando só podíamos andar. Depois de passarmos a primeira parte da dita zona de arenitos, atento às marcações, víamos que nos levavam para uma pequena praia. Só que a maré tinha enchido e a marcação indicava que deveríamos contornar a outra margem ! Com as ondas ali a bater…ná. Tratámos de arranjar outro acesso e encontrar as marcas que nos permitiam prosseguir em segurança. Mais rochas, mais saltos e soube, então , (a Analice tinha relógio) que faltava meia hora para sermos barrados (com 7h de prova) no abastecimento dos 39Km. Não nos podíamos descuidar muito. Sabíamos que seria pouca a distância, mas não sabíamos qual a dificuldade que nos esperava até lá. Tanto podíamos demorar 6 minutos a fazer um Km, como 20. Finalmente surge o longo passadiço de madeira a que se seguiria o tal abastecimento decisivo. Faltavam ainda 6 minutos para o termo da tolerância.  Outra preocupação era a do tempo limite para concluir a prova. Falava-se em 10h, mas eu não tinha essa noção. Por sorte, encontrámos ali o grande Jorge Serrazina, Director da Prova, que nos tranquilizou dizendo que não havia problema em ultrapassar as 10 horas. Abastecemos com calma e, quando retomávamos o caminho, chega o Saramago e o Cajado, da ACB,  dizendo que o Pedro tinha optado por abandonar e que tiveram que se esforçar para não ultrapassar as 7h neste local.
Agora era a parte “corrível” e coloco-me no ritmo da Analice, que sei ser um ritmo “certeiro”. Sair da praia contornando a Lagoa. Para muitos é a parte chata, por ser plana, mas para nós foi o melhor período da jornada. Disse para a  Analice que a continuar assim, bastariam 9,30h para completar a prova. Passámos por muitos que, saturados, iam a passo. Atravessámos o charco, recomeçámos em terra firme e lá atingimos o abastecimento do Miradouro. O último. Quando lá nos dizem “bom dia” com a noite ainda tão escura, temos uma sensação estranha. Abastecemos. Faltavam 8 Km, que vieram a revelar-se demolidores. Mas o problema maior que encontrámos, foi a luz do dia, que nos escondeu as marcações só visíveis quando a fraca luz dos frontais incidia neles. Quando vem a luz solar, as marcações ficaram às escuras. E nós desnorteados.  Chegámos a uma estrada asfaltada. O aviso estava lá, com a indicação para a direita. Que bem que sabia agora corrermos pelo alcatrão. Do lado esquerdo uma encosta escarpada, à direita, uma vinha, só podia ser em frente. Marcas não se viam, por mais que abanássemos a cabeça, na esperança de que uma réstia de luz do frontal descobrisse uma marca. Nada.  Mas se era para a direita, tinha que ser por ali. Connosco vinha um colega, João Almeida,  que tinha confiado no meu “instinto” de guia. A estrada bifurca-se e marcas…nada! Vai de telefonar. Tinha o número do Eduardo Santos, do Mundo da Corrida e ele pôs-me em contacto com o Jorge Serrazina:  “Eh pá…era lá atrás, ao pé de um pinheiro grande; era só atravessar a estrada” –diz-me ele. Voltámos para trás e lá estava a marca. Por alguma razão nem sequer tinha olhado para lá. É que nos encaminhava para um “paredão” enorme, coberto de vegetação, uma das mais improváveis rotas que nos poderiam dar a seguir. Com cordas lá pelo meio! Trepámos. À nossa frente já iam atletas que há 2 km atrás, estavam a 2 ou 3 km atrasados em relação a nós. Marca indicando que faltavam 4Km, quando o sino da igreja dava as 7 badaladas. Segue-se uma sequência de zigues a subir e zagues a descer e, dali a pouco, lá estávamos fora do traçado novamente. Irra. E as mesmas 3 alminhas perdidas mais uma vez. Encontro uma marca, mas não vejo jeitos de ali ter passado alguém. Pudera, era uma marca de 2014. Telefone de novo. Desta vez foi para o Orlando Duarte, que me tinha ligado pouco antes de nos perdermos. Lá retomámos o rumo certo e reparo que vinha um elemento vestido de amarelo. Era da Organização. Vim a saber que, afinal era o atleta-vassoura, eheheh. Aparece o Serrazina, pronto para ajudar, mas já tudo estava sob controlo. Agora era abordar o Castelo            e  subir aquela escadaria. Depois, entrar na “porta da traição” ao lado da lendária Analice e entrar no castelo encantado, ao cabo de 10,45h de prova, num momento que o Orlando Duarte captou com mestria e que é um dos melhores troféus que já recebi.

Por agora, fico-me por aqui. Mas também quero dar uns “palpites” sobre este fantástico VII UTNLO.

3 comentários:

JoaoLima disse...

A chegada de duas grandes personalidades do nosso desporto de eleição!

Muitos parabéns, Fernando!

Um abraço

Filipe Torres disse...

Como calculava, deve ter sido um pesadelo orientarem-se durante o dia! Parabéns Fernando, ainda não é desta que deixa de ser totalista! Um abraço e até à próxima!

Fernando Andrade disse...

Muito obrigado, João Lima
Muito obrigado, Filipe Torres

Foi uma jornada looooga, mas que acabou bem. Uma prova de que gosto muito, mas que, durante o percurso, nos foi merecendo alguns reparos, de que falarei num próximo texto. Grande abraço.