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Juro que era água que tinha na garrafa! eheh (com o Pedro Amorim)
Foto de Paula Fonseca |
A inscrição tinha sido feita a tempo e horas, pois esta era uma prova que, desde a primeira experiência, só uma razão muito forte, me impediria de voltar. Gosto de Óbidos, gosto da Prova, gosto da Organização, gosto que tudo isso seja a envolvência de mais um encontro com muita gente amiga. E depois, à conta de tanto “gosto”, alambazei-me ao UTNLO, quando o “simples” TNLO já me daria “água pela barba”. Mas eu tinha aquilo em mente e continuei fiel ao princípio segundo o qual “quando, no mesmo local, há uma prova grande e uma curta eu vou para a grande.”
Cheguei cedo a Óbidos, tendo até “sacrificado” uma das etapas mais espectaculares da 73ª Volta a Portugal em Bicicleta (Subida à Torre) para me pôr ao caminho. Lá chegado vou até ao Jogo da Bola, (local da partida – simbólica - e chegada – real ) onde iriam ser entregues os dorsais e onde fiquei à conversa com a malta amiga que ia chegando, até chegar a hora de ir comer qualquer coisa e “apetrechar-me” para este grande desafio nocturno.
Ora, o que é que eu pensei em levar? – Uma bolsa com uns géis, umas pedrinhas de sal, guardanapos de papel. Numa mão, levava uma garrafa de isotónico e na outra uma garrafa de água que fui bebendo no caminho entre o parque de estacionamento (cá em baixo) e o Jogo da Bola (lá em cima). Na cabeça, um chapéu. Ah… e o frontal! Bem… o frontal (que eu tinha comprado a um “marroquino” por 5€, até dava uma luz jeitosa, mas tinha-se partido uma “asa” que deveria segurar a fita que o prende à cabeça ! Com uns adesivos, dei-lhe umas voltas e pareceu-me que seria suficiente para o segurar mas, como via o pessoal todo equipadinho à maneira, com uns frontais minúsculos, mas com potentes lampiões, tive “vergonha” de exibir o meu, que tinha quase 10 cm de diâmetro e, ainda por cima, cheio de “curativos”. Pensei em pô-lo só quando caísse mesmo a noite.
Fotografia com os companheiros da equipa ACB (Carlos Fonseca, Lúcia Oliveira, Vitor Rafael e 2 novos colegas, Nelson Mota e Armando Pereira) e com outros amigos, uma “bacalhauzada” ao grande Carlos Sá e estava na hora.
Partida simbólica. Toda a gente atrás do guia da Organização, atravessando a Vila de uma ponta a outra, ante o espanto e os aplausos dos muitos turistas que por ali estavam. Na porta principal da muralha, é então dada a partida. As minhas atenções estavam na colocação do frontal, pois tinha chegado o momento de o pôr. A fita não estava ajustada e eu, corricando, ia tentando pô-la à medida. Esforço inglório, e a solução foi levá-lo na mão que estava livre.
Agora, era pensar na corrida e ir desfrutando daquele cenário maravilhoso de um “caminho luminoso” desenhado pelos 400 corredores (uns para os 47 e outros tantos para os 25 Km), caminho esse que, rapidamente deixou de ser “contínuo” para passar a “tracejado” , depois, “ponteado” …
Sabia que tinha de ir com calma e fiquei levemente assustado quando, no 1º ou 2º Km passei pelo grande guru das longas distâncias, Luis Pires, do Porto Runners, que me parecia ir demasiado lento e eu…”cheio da força”. Um sobe e desce violento, faz uma primeira selecção, obrigando a que o pessoal passasse um a um por estreito carril. Formam-se depois pequenos grupos que se vão afastando, mas em que se nota a tendência para que ninguém ficasse sozinho. Segui num grupo com 9 ou 10 até contornar a Lagoa . Uma subida na vertical, em que podíamos ser auxiliados por lianas que pendiam das árvores, reagrupou muita gente e levou-nos ao 1º abastecimento, que foi rápido. Segui e juntei-me a um novo grupo em que seguiam atletas do Milénium, contornando assim, a Lagoa pelo lado poente. Às tantas, na separação dos 25 e dos 47, fiquei sem saber se estes companheiros foram para frente ou ficaram para trás e vejo-me a correr com uma atleta de equipamento avermelhado, experiente em provas de aventura e mantivemo-nos no mesmo ritmo durante vários Km até ao final da tenebrosa subida da duna. Depois viria o trilho por entre a vegetação, com as raízes a pregarem rasteiras e a exigirem uma atenção especial. Aí, o pessoal seguia mais lento, mas a jovem passou para a frente e desapareceu. Depois vinha a parte mais difícil que incluía descer à praia, subir dunas fósseis, atravessar riachos… Consegui manter-me num grupo que só veio a desfazer-se no 3º abastecimento. Entre o 3º e o 4º abastecimento, foi o período mais crítico que atravessei. Fiquei sozinho, precisamente no meio do bosque. As dificuldades aumentavam. Mesmo em terreno plano, dava por mim a caminhar, o que era mau sinal. Nova subida, que ia cruzar com a estrada alcatroada. Muito atrás de mim, vejo aproximar-se gente. Pensei em tomar um gel, que até me soube bem. Mas por pouco tempo. Fiquei nauseado e tive de parar esboçando uns vómitos. Nessa altura, passaram 2 por mim. Não é que me pudessem fazer alguma coisa, mas uma palavrinha que fosse, serviria de conforto, mas estranhei que não me tivessem dito nada, o que contraria o grande espírito de entreajuda que tinha testemunhado na subida das arribas. Mas isso não é para aqui chamado.
O caminhante em que me transformei, ia procurando um passo o mais rápido possível. Vem mais um grupo. Era o Luis Pires, o Pedro Amorim, o Tiago Dionísio e outros que não conhecia. Puxaram por mim:-“vá lá, Fernando. Vamos devagarinho até ao abastecimento que é já ali.”
Doía-me as pernas e com muita dificuldade lá esbocei uns passos de corrida até reabastecer.
Fui rápido. Eles ficaram e eu, como sabia que eles viriam logo a seguir, arranquei a passo para os últimos 8Km. Com o Luis não fui capaz de ir, mas um pouco atrás vinha o Pedro Amorim, que me convenceu :-“Vá lá Fernando, recomeças a correr devagarinho, que as dores vão desaparecendo e, a pouco e pouco, voltas a entrar na corrida!” Hesitei, mas a insistência dele fez-me tentar. Na verdade, passados uns 200 m já me sentia outro. Curiosamente sentia-me com força nas pernas, como se estivesse num “2º fôlego” que consegui aguentar até escalar aquela escadaria do Castelo que nos levava à “Porta do Triunfo”, onde estava o nosso amigo Orlando Duarte a dar as boas vindas, após 6h de prova. O Pedro esperou por mim para uma chegada conjunta, que ficou registada na foto da Paula Fonseca. Um grande abraço ao Pedro Amorim, pois sem o seu fortíssimo incentivo e companhia, só chegaria à Meta lá para o nascer do sol.
Depois, lá estava a lauta mesa com tudo o que era bom, mas que o meu fragilizado estômago não conseguia aceitar. Já sabia que tinha de cumprir “o meu ritual”. Para o efeito, lá estava a mesma árvore do ano passado, para meu encosto, durante o “exercício náusico”. Depois de aliviado, já me apetecia provar aquela canja quentinha. Estava divinal e repeti. Depois sentei-me no murete e descomprimi, enquanto ia vendo alguns companheiros chegarem. “Descomprimi, descomprimi…” e depois “resolvi” deitar-me. E outro “espectáculo” se seguiu em que me vi rodeado de gente amiga, que muito me “apaparicou” e a quem fico muito grato pelos cuidados que tiveram comigo. Para quem não percebeu (estava a evitar dizer, mas como sou um língua de trapo…) tive um pequeno chilique, que não se revelou preocupante. Mas já sei que vêm aí os conselhos . “-Tu vê lá… já não tens 20 anos…com essas coisas não se brinca…!”
OK, prometo que vou ter cuidado. Mas este UTNLO deu-me uma enorme satisfação e, claro está, deixa-me uma incontrolável vontade de repetir. Para a excelente Organização encabeçada pelo Jorge Serrazina, Luis Nunes e António Miranda ( o “triunvirato” bem referido pelo Orlando Duarte) volto a expressar os meus sinceros parabéns por tão cuidado trabalho que constituiu mais um extraordinário êxito desportivo que a histórica Vila de Óbidos bem merece. Bem Hajam.