“O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso da natureza. Socalcos que são passadas de homens titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que nenhum escultor, pintor ou músico podem traduzir, horizontes dilatados para além dos limiares plausíveis da visão. Um universo virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico. A beleza absoluta.”
(Miguel Torga in “Diário XII”)
Ao Mestre, que possuía o condão de pintar as paisagens com palavras, faltou-lhe imaginar que poderia tal cenário ser percorrido em simultâneo por milhares e milhares de almas, em esforço voluntário e contemplativo dos tais "socalcos que são passadas de homens titânicos a subir encostas", emprestando-lhe, agora, uma dimensão humana nunca dantes vista. Se Torga visse a Meia Maratona do Douro Vinhateiro, que nos contaria ele? Como faria ele o retrato escrito deste grande evento?
Fui até lá. Há vários anos que pretendia testemunhar o que ouvia falar desta Meia Maratona. Desta vez calhou.
Dia 1 - Com tempo, cheguei na 6ª Feira e deu para passear e deleitar-me com aquela envolvência encantadora da Régua e do Douro. Fui levantar o dorsal. Nem sabia onde era, mas bastou vestir uns calções, calçar umas sapatilhas e pôr-me a correr. Os trabalhos de montagem da Prova, estavam a decorrer a bom ritmo. Não faltaria quem me desse a informação que precisava. - Museu do Douro, aqui a 100m – disse-me o motorista da viatura que exibia o vídeo promocional da Prova. Entrei, segui as indicações e em poucos minutos tinha o dorsal e o respectivo kit, que incluía uma garrafa do “néctar” que ali se produz. Fui até ao terraço, para ver o rio e o cais, de um plano privilegiado. Eis que encontro o “culpado” disto tudo, Paulo Costa, que me deu as boas-vindas ao Douro. O telefone não parava e ele teve de ir à sua vida.
Jantei, com a minha mulher, no agradável espaço da Esplanada perto da meta, antes de recolher ao Hotel Columbano, percorrendo a avenida sobranceira ao rio.
Dia 2 - Enquanto passeava, surpreendentemente, ouço o meu nome e alguém vem na minha direcção. Era o Francisco Cunha Cerca, que ainda não conhecia pessoalmente e que se mostrou de uma amabilidade extrema, para ajudar naquilo que fosse preciso. Obrigado Francisco. Depois de almoçar, fazer um curto cruzeiro, até ao Pinhão e voltar de comboio.
Soberba a viagem, com que satisfiz uma velha curiosidade que tinha, sobre a forma como as embarcações subiam a Barragem de Bagaúste. Foi muito interessante.
E era também daqui que, no dia seguinte, seria dado o tiro de partida da Meia Maratona. O regresso foi feito de comboio, numa viagem menos sossegada, pois junto a nós havia um grupo que não parava de falar alto, rindo efusivamente por tudo e por nada, num sinal de que tinham sido pouco contidos no beber. À chegada, foi agarrar no carro e rumar ao AL Sonhos Douro,
onde tínhamos conseguido a reserva, mas que ficava um pouco fora da Régua.
Dia 3/Dia D - Pequeno-almoço às 6,00H e quando eram 6;45h estava estacionado a 100m da meta, o que me deixou aliviado. A temperatura estava agradável pelo que podia ir já equipado. Agora, era ir andando, seguindo a enorme fila de autocarros estacionados que haveriam de levar os atletas até à Barragem. E assim cheguei à Estação. Anunciavam que o comboio, que também transportaria atletas, sairia às 7,30H. Optei por ir de autocarro. Logo nos dois primeiros. Não reparei no tempo que demorou, mas deviam ter sido 10 ou 15 minutos.
Apeámo-nos e caminhámos uns 400m até à barragem. Agora era esperar uma hora e qualquer coisa. Não conhecia ninguém. Tirei umas fotos e achei melhor sentar-me no chão encostado à vedação e … esperar. Faltavam 20 minutos. Levantei-me e ouço o meu nome . Era o Jorge Paulino, de Mafra, amigo da velha guarda, que ia fazer a prova muito à cautela, pois tem uma lesão que não lhe permite grandes voos.
O tempo, assim, passou mais
depressa. Estávamos na box D. Com o ruído que sempre existe, não percebíamos bem
o que era dito lá na frente, mas, de certeza, seriam votos de boa prova a todos
e que disfrutássemos da beleza do percurso. Tiro da partida. Antes já tinham
saído as cadeiras de rodas. Viragem quase imediata à esquerda, em sentido
contrário ao da corrente do rio. Descia-se. Em sentido contrário vinham muitos
caminheiros na berma, que se iriam juntar aos que estavam na barragem. De
repente, uma voz atrás de mim, dizia-me :”não digas nada, não digas nada” e
estava a gravar um vídeo. Era o meu amigo José Sousa), que está em todas,
espalhando o seu humor e amizade nas muitas provas em que participa. Dizia-me
que não tem corrido nada e que “ia ver o que é que dava”. E deu-lhe bem, pois
rapidamente desapareceu, deixando-me “pregado” no meu ritmo bem mais moderado.
Continuamos a descer.
Último quilómetro repleto de público a aplaudir e lá está a passadeira colorida que nos enleva para a Meta. De um lado, o cumprimento da grande Aurora Cunha, do outro, o do dinâmico Director Paulo Costa,
que me dá a mão e me acompanha nos metros finais, chamando a atenção do speaker para a minha chegada. Um abraço emotivo e as merecidas felicitações por tão grande evento. Já, de saída, encontro o meu amigo e antigo colega de equipa, Paulo Moradias,
de Castelo Branco, que já fez esta prova uma dezena de vezes. Percebe-se porquê.
Fica a minha gratidão pela atenção que me foi dedicada e que, sem falsa modéstia, nada fiz para merecer. Muito obrigado Paulo Costa, por esta grande e belíssima Meia Maratona. E Parabéns a toda a equipa que a concretizou. Estava feita a Meia Maratona do Douro Vinhateiro-Edição de 2024.