Raide Pedestre Melides - Tróia
Ultramaratona Atlântica
Relatos
de
Fernando Andrade
Às
sete da manhã já eu e o Carlos Neto estávamos em Melides. Sabíamos
que o secretariado só abriria às 7,30H, mas nada como ir cedinho para ter tempo
de ultrapassar qualquer contrariedade que pudesse surgir pelo caminho.
Junto
da mesa da entrega dos dorsais, lá estava o velho Batista “O Dinossauro” , dizendo às meninas que tinha
sido inscrito por um amigo de Lisboa e que o seu nome não constava na lista.
Vociferou, gesticulou, disse cobras e lagartos que, só quem não o conhece
poderia ficar impressionado com tamanha “injustiça”.
A
pouco e pouco, os aventureiros que conheço vão chegando: Eduardo Santos, o
casal João e Helena Medeiro, Herculano Araújo (com o Jorge Pereira que vinha só
para ver), Pedro Pinha, Luís Sousa.
Colocado
o protector solar, preparada a mochila (pois tudo tinha sido bem esclarecido
que se tratava de uma prova longa em regime de auto-suficiência) ei-los que vão
descendo para o local da partida, qual cadafalso para o cumprimento de uma pena
de trabalhos forçados que impuseram a si próprios. O pequeno breefing por parte
da Organização. O cumprimento do amigo do triatlo Paulo Alves e … aí vão eles…
aí vão elas. Partiram 91.
O
céu estava encoberto e vento não havia. Mas a areia… essa é que não quis
colaborar! Os pés afundavam em cada passada. Tentava escolher a que estava mais
firme; procurava amortecer o impacto para ver se ela se aguentava. Umas vezes
resultava, outras não. Pensei em pisar as pegadas deixadas pelos outros. A
princípio achei que era boa ideia, pois a areia já não cedia quase nada. O
problema é que, para além do equilíbrio que isso implicava, o ritmo da passada
era diferente. Também não. Para ficar com os pés molhados, achei perigoso. O
remédio era mesmo entregar a alma ao criador e prosseguir, assim mesmo, sem
estratégias para diminuir as dificuldades que sabia ter de enfrentar. Passo o
Pedro Pinha, que entendeu ser mais prudente e deixou-me ir embora. Encontro depois
o Carlos Neto sentado, a tirar os ténis. Tinha que ir descalço o resto da
prova. E ainda faltavam para aí uns 40 Km!
A
não existência de Km marcados fez com que não tivéssemos referências sobre o
andamento que estávamos a fazer, tanto mais que corríamos num tipo de piso
“atípico”. Olhava para o relógio, via o tempo que tinha de corrida mas não
sabia que corrida ainda tinha para fazer.
Às
tantas, vejo ao longe um insuflável amarelo. Um amigo meu, o Fernando Alves,
praticante de corrida (mas que foi mal aconselhado a não participar neste Raid
e que estava por ali a passar férias ) veio ao meu encontro e deu-me apoio,
correndo algum tempo comigo. Maravilhado, rapidamente chegou à conclusão que
tinha feito mal em não se inscrever. Ingeri um gel energético que levava. Era
mel líquido. Nessa altura e com dificuldade, subi a duna para passar por
debaixo do pórtico. O raio do mel deu-me a volta ao estômago e fiquei nauseado.
Tive de parar e ir andando, na esperança que a indisposição passasse. Sou
ultrapassado por 9 atletas, entre as quais a Ana Vieira, com quem alguns Km
atrás tinha comentado das armadilhas que estavam no caminho (fios de pesca
colocados a um palmo do chão, em que os primeiros a serem pescados eram os/as
atletas. Ela foi vítima, eu fui vítima e quantos outros o terão sido? Aqui está
um aspecto menos positivo, mas que compreendo não ser possível à organização
controlar estas acções.
Continuando,
surge o primeiro choque psicológico, em simultâneo com a indisposição gástrica
: só tinham sido feitos 18,5Km e já tinha gasto 2h e 10m ! E pensei : Vai ser
lindo, vai! E vou fazendo contas : - à mesma velocidade, com 4h e 20m terei
feito 37Km e ainda faltarão 8, que vão gastar mais uma hora à vontade. Logo
farei cerca de 5,30h !
Entretanto,
passa novamente o Carlos Neto, mais um grupo, a Ana Vieira, o Herculano e o
João Medeiro.
Felizmente,
a areia começou a ser melhor, mas as pernas acusavam aquele combate inicial e
recusavam-se a aproveitar as condições desse novo piso. Passadas 3,30h de
corrida (o meu tempo normal na maratona) comecei a pensar que, ao atingir as 4h
iria pôr-me a passo. Por outro lado, tinha acabado a água! O que tinha era um
líquido qualquer de sabor a laranja, que nem me lembro o nome. Mas água é água!
Lá
à frente, ainda muito longe, outro pórtico. 37,5Km ! O António Belo, que me
tinha passado um ou dois Km atrás, parou por algum tempo, para tentar
recuperar. Vejo também que estou a aproximar-me dos que iam lá muito à frente
sem saber se seria eu que estava a andar mais depressa ou se seriam os outros
que estavam a perder andamento. Talvez fossem as duas coisas. Mudei de ideias.
Já não iria pôr-me a andar às 4h de prova ! Passo o Carlos Neto, o descalço,
que ia a passo aflito dos tendões.
Sem
querer, fui apanhado pela água e fiquei com os pés encharcados. Mas como eles
já vinham tão “esquentados” soube-me mesmo bem. Como faltavam pouco mais de 5 km achei que valia a pena
correr sem estar com a preocupação de me desviar da água. Passo então o
Herculano (que estava a ser apoiado pelo Jorge) e eis-me a dobrar a península.
Só mais um Km! Já se via a meta. E, mais perto ainda via o João Medeiro. Nessa
parte a água já não era tão agradável, mas a areia era firme e corria-se bem. O
João não respondeu à minha aproximação e deixou que eu continuasse com aquele
entusiasmo renascido nos últimos Km da corrida, concluindo esta primeira
experiência em distância superior à de maratona, com o tempo de 4,39,39! Fiquei
maravilhado e, apesar da bolha no pé, espero repetir.
Tive
pena de não ter estado presente no convívio final.
Quanto
à Organização, partilho da opinião do Luís Sousa : Excelente, pois as condições
naturais estavam lá e calor humano foi lá posto por uma equipa que sabia o que
estava a fazer, que acompanhou os atletas do princípio ao fim, nunca deixando
que ao longo daquele imenso areal eles se sentissem desacompanhados. Palmas
para a Organização.
Apenas
faço uns pequeninos reparos, que em nada pretendem desvalorizar o seu trabalho:
-
A marcação dos Km (mesmo sem ser muito rigorosos) parece-me muito importante, a
menos que a filosofia subjacente a um raid impeça o participante do acesso a
essa informação.
-As
metas volantes não poderiam estar mais próximo da trajectória dos atletas, para
não os obrigar à violência de subir as dunas de areia seca, com as consequentes
quebras de ritmo? Se é porque os insufláveis têm de ser postos em lugar seguro,
bastaria que eles estivessem apenas a fazer um efeito decorativo e o controle
fosse feito na linha do seu prolongamento.
-Os
atletas que ficam com os carros em Melides, só muito tarde têm o transporte de
regresso, ficando, até essa hora, um pouco desprotegidos. De acordo com
comentários tidos com colegas, parece haver mais consenso na utilidade do
transporte Tróia-Melides, às 7h da manhã, possibilitando-se que os carros
ficassem em Tróia. Não
é que
fosse
para eles se irem embora, mas porque é lá que têm a”mobília”.
-O
convívio final, que é da maior importância, no qual, com muita pena minha, não
pude participar, poderia iniciar-se após 5h de prova e ir-se prolongando até à
chegada do último.
-Esta
Prova, que considero histórica merecia uma medalhinha ou um diploma de
participação, que guardássemos com orgulho, pois gostamos de guardar nas nossas
recordações, os símbolos dos grandes feitos.
Mas,
acima de tudo, quero deixar aqui expressos os meus agradecimentos por me terem
dado a oportunidade de participar nesta Aventura.
Já
recomposto
Raid.
Para a grande maioria das pessoas trata-se de um dos esforços mais inúteis que
uma pessoa pode fazer! Mas, para quem o fez, trata-se de uma conquista que não
encontra equivalentes neste mundo. E é a prova de que a vida, para além da
demanda a que as pessoas se habituaram, é recheada de outros grandes valores.
Podem ser insólitos, inexplicáveis, bizarros. Mas o que é preciso é saber
descobri-los, na certeza de que não valem menos que os convencionais. É, no
fundo, o valor do ser-se capaz!
E
foi assim, que no dia 30 de Julho, manhãzinha cedo, depois de uma contagem
decrescente cheia de imaginação, 157 dos 164 inscritos, se apresentaram, à hora
marcada, na Praia de Melides, para cumprir
a dura (mas gratificante) missão
que impuseram a si próprios.
Uns
minutos de espera, a aplicação de um protector solar “rasca” que não veio a
servir de nada, o reencontro com muitos amigos destas andanças e a satisfação
de, finalmente ter conhecido o Zen !
Umas fotos a assinalar esses momentos e vou bebendo uns goles da garrafa de litro
e meio de água que nos deram.
Nuns
breves momentos de concentração vou até à beira da água para experimentar a
areia. “–Isto vai ser lindo, vai !” –
pensei cá para comigo, depois de ver que a maré não “estava a jeito” e
escondia-nos a “passadeira” por onde pretendíamos correr. Por outras palavras :
“puxou-nos o tapete!”.
Ouvimos
com atenção as indicações da Organização e as palavras de incentivo do Senhor
Vereador, enquanto não podíamos deixar de dar atenção aos diferentes tipos de
indumentária com que cada um iria enfrentar o desafio. E lá estava o trio da
Atlas Copco de Madrid “capitaneado” pelo nosso João Hébil, em grande estilo,
impossível de passar despercebido. Uma iniciativa publicitária bem conseguida
(João, vais ter direito a mais umas reuniõezinhas na estranja, na altura em que
houver por lá uma maratona!)!
Soa
o tiro da partida ! Pela areia plana, porém seca, o grupo foi-se dispersando,
procurando inutilmente os locais onde houvesse maior firmeza do solo. Cada um
foi encontrando o seu ritmo como pôde. De facto, era mau correr na areia solta,
mas a verdade é que todos os que tentavam descer a “rampa” para correr junto à
água, acabavam por voltar a subi-la, constatando que a grande inclinação não
facilitava a corrida e que areia, embora molhada, “afundava” juntamente com o
sapato. “-Não adianta” - dizia um – “é mau na mesma”! Tínhamos mesmo de
continuar na areia seca.
Encontrámos
um rodado de um tractor ! Era vê-los a colocarem-se em fila indiana por esse
trilho, na esperança de que o tractor já tivesse calcado a areia. Lembrei-me do
Aleixo naquela quadra : “Quando um náufrago se estava / Julga ver, triste
ilusão / Na rolha de uma garrafa / A tábua de salvação “. A rolha, claro, era o
trilho e o náufrago era uma “espécie de raider” (no caso, eu) que já ia com
umas dores lombares desconfortáveis – e nem cinco Km tinha ainda feito! Como se
isso não bastasse, os intestinos também se insurgiram contra mim.
Vejo
lá à frente a bandeirinha dos 5,5
Km ! –“Acho que vou ter de fazer uma pausa”- mas sem querer
levantar suspeitas aos membros da Organização que ali estavam, esperei que
anotassem o meu dorsal e disse-lhes que iria alterar a minha rota para junto
dos arbustos, mas que voltava. Havia uma certa curvatura da duna naquele local
e eu, agachado, ia vendo as cabeças a passarem: “-Lá vai uma! Lá vai outra,
outra…” e eu sem me apetecer sair dali! Foram, cinco minutos bem passados e,
quando retomei o rumo, a disposição era bem melhor e voltei a ter um ritmo de
passada mais a meu contento.
De
facto, agora sentia-me mais solto e, mesmo pela areia seca, fui recuperando
posições, até que tive de afrouxar. Por
volta dos 11Km, olho para a esquerda e, lá em baixo, juntinho à água, vinha a
Chantal, que ganhou em 2005. Admirei-me de ela ainda vir ali, mas reparei que
os seus pés, embora molhados, não se afundavam. “Olá!?! Troco já a areia solta
pelos pés molhados!”- pensei e, na verdade, até deixei a Chantal para trás
depois de meia dúzia de palavras (disse-me,
com o seu sotaque engraçado, que este
ano estava com anemia e, por isso, não arriscava muito). Então… já que o piso
agora era favorável, aproveitei e ia vendo os outros lá em cima, na areia
solta, a ficarem para trás .
Porém,
a rebentação das ondas, interceptava a minha trajectória e a água foi-me enchendo
os sapatos de areia até que os pés já tinham dificuldade em lá caber. Não tive
outro remédio que foi descalçar-me, tentar tirar a areia e voltar a calçar-me.
Isto repetiu-se mais duas vezes. Cerca dos 16 Km resolvi descalçar-me,
atar os sapatos à mochila e … andar. Ia-se bem, a usufruir, sem cansaço,
daquela interminável costa, com a água a convidar a uma banhoca. Mas não. Foram talvez 3 Km aqueles que fiz a passo,
e, neste período, muitos foram os raiders que me passaram e me dirigiam uma
palavra de estímulo, mas eu… estava noutra! Comecei a fazer contas e vi que, a
continuar assim, chegaria a Tróia já com o controle encerrado. Não podia ser.
Encontrei uma garrafa de 1,5 L
abandonada por ali e fiz com que ela tivesse alguma utilidade: enchi-a de água
do mar e, calmamente, sentei-me, tirei a areia dos pés e das peúgas. Um
companheiro aproximou-se da garrafa para fazer o mesmo :-“Ohh… mas isto é uma
bolha! Eu a pensar que era areia! Não há nada a fazer, vou ter que
gramar!”-disse ele. E continuou. Acabei de me calçar, enchi-me de coragem e fui
atrás, agora com mais atenção à água para ver se me mantinha a correr por mais
tempo. E a verdade é que até consegui não voltar a parar. Recuperei novamente
muitos dos lugares que tinha perdido.
Nas
praias, por onde ia passando, houve alturas em que tinha de ziguezaguear por
entre os banhistas que não se apercebiam da aproximação. Alguns até aplaudiam,
mas 99% nem sequer sabiam quem eram aqueles “malucos” que a espaços tão
prolongados, iam passando pela praia. Que bom seria que aquela quantidade de
banhistas assumisse a função de público! E não teriam de alterar muito os seus
planos: estavam na praia e continuariam na praia. Só precisariam de saber quem
era aquela gente estranha. Uma aparelhagem sonora nas principais praias teria
dado um excelente resultado. Mas esta é uma questão a ser abordada mais à
frente.
Impressionantes
são as aproximações e os afastamentos dos nossos companheiros de jornada. A
falta de sincronização das performances, acaba por apelar ao esforço
individual, se bem que registe com muito agrado o grande espírito de
entreajuda. Na alternância de posições (um abraço, Vítor Silva) há sempre uma
palavra de estímulo para quem vai mais lento.
28,5Km
– Lá estão as duas garrafinhas com água fresquinha. A da mochila estava
morna e devia estar a acabar.
Para
não ir com as duas mãos ocupadas, resolvi prender uma das garrafas na correia
da mochila. Quando dei por isso, a tampa tinha saltado e a garrafa, na minha
perspectiva, já ia meio vazia. Continuei com uma em cada mão, optando, no
entanto por gastar primeiro o resto da que ia na mochila, dado que era incerta
a quantidade de água que ela ainda continha. A das garrafas estava à vista e
podia dosear!
O
piso, entretanto melhora. Como o meu relógio não contava as horas, cada 60
minutos voltava ao princípio e eu já não fazia ideia de quantas horas tinha de
prova. Seriam 4?, seriam 5? Seriam 6?
Impiedoso,
o sol ia-me atacando por trás e eu já começava a sentir os seus efeitos.
Alcanço mais alguns companheiros que, lá atrás, me tinham escapado (um abraço
Valentim e Analice) e entro na sucessão de curvas à direita e “nenhuma” delas
era a última! Recebo os aplausos de um naturista (“tostado” como se passasse
ali dias e dias ao sol) que, obviamente, agradeci, tentando encarar com
naturalidade, o insólito incentivo de uma “saudação pendular de um quinto
membro” que se movimentava ao ritmo das palmas.
Dou
mais uma curva para a direita. Desta vez era a última. Lá muito longe avistava
o desejado pórtico que parecia minúsculo. Mas pronto… estava à vista o que
ainda tinha para correr. Bebo os últimos goles de água, aproximo-me e, como a
distância mais curta entre dois pontos é um segmento de recta, procurei a
perpendicular ao pórtico, para não entrar lateralmente. Asneira! Andei para ali
a contornar chapéus e toalhas, a incomodar banhistas, até que um elemento da
organização me vai encaminhar para o corredor final. É que eu deveria ter
continuado por mais alguns metros junto à água. Mas a verdade é que o pórtico também
deveria posicionar-se na perpendicular desse corredor para não induzir em erro.
Últimos
20 metros.
YEEEESSSSS.!!! Já cá canta! Com uma corrida estranha, ergo os braços de
contente, saboreando aqueles momentos que gente amiga, na meta, registou de forma
sublime.
Já
não sabia andar! Encaminho-me para o gradeamento, meio nauseado e sob a vigilância de dois
elementos da Cruz Vermelha, “esboço” uns vómitos sem conteúdo e fiquei bem.
Logo
a seguir a estas “náuseas de alívio” (gostaram desta?) entro na tenda e
fazem-me uma massagem. Devo dizer que, muscularmente sentia-me óptimo, o
escaldão é que me estava a incomodar.
Segue-se
um período de repouso na sombrinha da tenda de recuperação, onde me podia
refrescar à vontade com água, fruta, ice-tea.
Depois
dos necessários momentos de relaxe em que troquei comentários com outros
companheiros e em que ia vendo chegar um… e depois, outro…, fui buscar o carro
e tomar uma banhoca. Ao espelho vi melhor o bronzeado de ciclista que tinha!
Espectáculo! As partes escurecidas, principalmente as da região posterior (que
apanharam com o “espertucho” doíam-me com’o caraças e hoje já passaram à fase
do prurido. Falta pouco para entrar na fase da “esfola”.
Continuando,
juntei-me a um grupo de amigos e encaminhámo-nos para o local do convívio, onde
iria ser servido um lanche e distribuídos os prémios. Aí, enquanto
mordiscávamos qualquer coisa, íamos vendo o filme do Raid de 2005. Ainda estou
impressionado com aquelas excelentes imagens. Umas, porque mostravam em grande
plano e em grande forma o saudoso João Campos, que ficou na segunda posição,
depois de ter sido “ameaçado” por um caniche; outras, pelo vigor na passada
demonstrado pelo Pedro Pessoa já na parte final da Prova! Parecia que estava a
fazer 400m!
Seguiu-se
um breve discurso do Sr. Presidente da Câmara ( o respeitável Edil, nos versos
do “outro” ) em que deu ênfase ao facto de “os grandes embaixadores do litoral
de Grândola sermos nós”. Gostei de ouvir isto e até fiquei sensibilizado.
Prémios entregues, despedidas feitas e eis que sou brindado com um
prémio que não estava nos planos: então não é que o João Hébil vinha preparado
com uma tacinha para me oferecer, pronta para corrigir uma eventual ausência de
prémio de participação !? E até vinha gravada e tudo: “ Raid Pedestre
Melides-Troia “-30.JUL.2006 – Participação AtlasCopco/Madrid”. E esta hein!??
Obrigado, João!
Pensava eu que, por este ano, as coisas acabariam por aqui. Mas não!
Como vim por Alcácer e apetecia-me um cafezinho, parei na estação de serviço de
Palmela. Cruzo-me então com o nosso amigo Joaquim Antunes e sua família. Sou
confrontado com uma situação nova : “pôr um autógrafo na compilação das
Melíadas, que ele se tinha dado ao trabalho de fazer e a que chamou – Melíadas
For Ever” Obviamente que me senti bastante honrado com isso, mas também é
verdade que fiquei meio engasgado com tal distinção. Tanto mais que foi ele que
teve o trabalho de reunir todas aquelas estrofes que me diverti a fazer
enquanto falávamos do Raid. Obrigado, Antunes. For ever !
Ainda falta falar da apreciação que fiz desta edição do Raid, se
calhar, a única parte que interessa deste “estendal” que tenho vindo a fazer e
que, se não me ponho a pau, vai demorar mais tempo que o próprio Raid.
Mas isso, ainda não é agora.
Por
último – espero - falta a crítica que, como não podia deixar de ser, pretende
ser construtiva.
1-Potencial – Trata-se de uma Prova com
um enorme potencial turístico-desportivo que, bem promovida poderá captar
muitos participantes estrangeiros, pois em Portugal, infelizmente não chega às
5 centenas o número de maratonistas e destes, apenas uma parte se dispõe a
envolver-se na aventura. No entanto, a quase duplicação do número de participantes
de 2005 para 2006 é um forte sinal de que este Raid estimula a apetência dos
atletas que gostam de grandes distâncias.
2-
Promoção – Caso a Organização
pretenda crescer além fronteiras, será necessário promover a Prova a partir de agora ! Em todos os locais onde
se fale de Desporto-Aventura e na internet, principalmente nos sites espanhóis.
3-Calendário – A escolha da data, tendo
como referência a previsão das marés, é muito importante. Por outro lado, este
ano, aconteceram 3 eventos (Trail da Freita –Raid Melides Tróia e ultramaratona, no mesmo mês! Não é bom para
nenhum, pois a “clientela” é a mesma.
4-Regulamento – A grande maioria dos
atletas são veteranos. Acontece que apenas são consideradas 2 categorias de
veteranos! Em minha opinião seria preferível atribuir prémios quase que
simbólicos às diferentes categorias, dando primazia à geral masculina e
feminina. É que assim como foi (quando é um veterano que ganha a prova) gera-se
sempre a dúvida relativamente aos outros veteranos, tipo, “fui o 2º, mas como o
vencedor optou por ser sénior, vou passar a 1º?, ou será que ele foi sénior só
para o prémio?).
5-
Animação nas Praias - No sentido de
informar os banhistas, seria de grande utilidade, informação através de
aparelhagem sonora da passagem dos raiders, fazendo com que alguns desses
banhistas, pudessem ser público. É que 99% dos banhistas não fazia ideia de
quem eram aqueles “malucos” que ali passavam, de mochila às costas e com ar
cansado.
6-
Recipientes de recolha de lixo
– Não vi. A menos que estivessem colocados no mesmo local onde eram dadas as
garrafas. Deveria haver informação sobre esses locais.
No
meu caso, trouxe tudo comigo (excepto os caroços da maçã, por serem
biodegradáveis e a tampa de uma das garrafas, que perdi).
7 – PARABÉNS –Estes pontos são
apenas pormenores que, na minha modesta opinião – que ninguém pediu – poderiam
contribuir para melhorá-la. No entanto, quero endereçar à Câmara de Grândola
sinceras felicitações pelo excelente trabalho efectuado e um grande Bem Hajam a
todos os voluntários que, durante todo o dia, se empenharam na assistência aos
atletas em prova, para que nada lhes faltasse.
Já
estou com saudades. Venha o Raid 2007.
Após
um metro e meio de prosa chata
(Que,
com sorte, alguém leu, sem desistir)
Sobre
um Raid que mói mas que não mata,
Antes
nos dá vontade de insistir
Há
aquilo que cada um relata
Que
é estória que nos dá p’ra reflectir
Encarando-o
com mais maturidade,
Mas
mal se acaba, sente-se a saudade.
“Se não fosse pelo dinheiro, a
gente não andava aqui, não!” – Depois de seis horas e tal de prova, era assim que um raider,
todo "torto", a coxear, com bolhas num pé, dizia para outro que
estava nas mesmas condições.
Era
o nosso amigo João Hébil a caricaturar a nossa participação nesta prova que é
tão longa e tão dura, mas também tão aliciante. Vá-se lá explicar esta
misteriosa atracção que continua a ser incompreensível para o comum dos mortais.
7,30
da manhã. Estacionado em Melides (desta vez não fui no autocarro
disponibilizado pela Organização) tudo o que via à minha volta me era familiar.
Quase todas as caras eram conhecidas, o que atesta que a “reincidência” neste
“martírio” é uma das principais características dos raiders.
Dorsal
levantado, equipo-me e avalio o "conforto da carga” (2 litros de água, 3 cubos
de marmelada, 2 powergels, 2 barras energéticas, uma banana, uma maçã, uma
garrafa de pawerade. Ah …e ainda, umas peúgas, um saco de plástico e um pedaço
de plástico. E telemóvel). Convenhamos que era mais pesada do que aquilo que eu
queria, mas…
Apliquei
protector solar disponibilizado pela Organização (…e graças à influência do
nosso amigo Luís Parro junto da Coppertone) e, enquanto nos fomos aproximando
do local da partida, troca-se umas larachas com amigos, tiram-se umas fotos e
ouvimos atentamente as palavras da Directora da Prova e do Sr. Vereador,
esclarecendo dúvidas e desejando a todos uma boa Prova.
O tiro da partida pôs em movimento a centena e meia de atletas
inscritos que, cheios de energia – ainda – remexiam a areia seca de forma
determinada, o que provocava um som engraçado. A maré já tinha deixado a
descoberto uma superfície de areia lisa, se bem que ainda “fofa” e a obrigar a
correr em plano inclinado, pelo que houve quem, nos primeiros quilómetros
tivesse optado por correr na areia seca, pela parte superior da duna. Eu, ao
ver que uns iam para a esquerda, outros para a direita, fiquei meio despistado,
sem saber quais é que havia de seguir. Optei pela esquerda, se bem que
procurando acautelar que os pés se molhassem logo no início. Desta vez não via
ninguém subir as dunas. Antes pelo contrário, ia-os vendo a descer para junto
da água.
As
condições atmosféricas estavam excelentes: céu encoberto, vento fraco e a
favor, uma ligeira neblina que, contudo nos encurtava o horizonte,
escondendo-nos a paisagem e trazendo uma certa monotonia no percurso. Gente
“normal” não havia (e logo que desta vez, estava preparada uma campanha
informativa aos banhistas) e, não fossem uns quantos pescadores – também poucos
– e um ou outro familiar ou amigo de raiders em prova, teríamos mesmo
atravessado 43 km
de “deserto” (não! O ministro não é pr’aqui chamado).
Para
pôr em prática uma das minhas “ideias”, a de “relativizar” o tempo, 10 minutos
depois de andar a correr, coloco os auriculares e lá vou eu a ouvir música,
numa selecção da responsabilidade do meu filho (-acho que vais gostar destas -
dizia-me ele ). Duração da música: 2 horas ! Mas, a grande verdade é que a
teoria é uma coisa e a prática é outra, pois a música acabou e demorei mais de
meia hora a aperceber-me disso. Apesar disso, “vira o disco e toca o mesmo”
para mais duas horas, mas não chegou ao fim, porque já tudo me irritava : a
música, a pressão nos ouvidos… ná!
1º Erro – Só deveria ter ligado a música depois de 2 horas de
corrida.
Desde
cedo comecei a sentir a mochila a arranhar as costas, na zona lombar! Mau,
Maria! Ponho a mão e vejo que a T-shirt se enrolava, deixando a pele em
contacto directo com a mochila (digo sempre “mochila”; não gosto de dizer
“camelback” ! é assim ou não é, Orlando Duarte?). Lá compus a T-shirt (também
não gosto de dizer “T-shirt”, vou passar a dizer “camisola” ) para baixo, gesto
que tive de repetir mais algumas vezes, mas esta pequena contrariedade, foi
suficiente para me deixar a região lombar marcada de tal forma que, depois, no
duche, só apetecia dizer palavrões.
Pelo caminho, a minha mente ia a matutar :- que raio de velocidade
é esta !?; -será que vou a 7m/Km (condição para concluir a prova nas 5h)!? Só o
saberia quando chegasse à primeira das bandeirinhas, colocada aos 5,5Km ! Lá
estava ela:- 39 minutos ! Não estava muito fora dos planos, mas a verdade é que
o à-vontade e a descontracção com que esta passada deveria ser encarada, não o
estava a ser. Achei logo que seria melhor encontrar o tal passo confortável e
esquecer o relógio. À medida que a distância ia sendo percorrida, os atletas
dispersavam-se mais. Cada vez era maior o espaço entre o da frente e o de trás.
“Levanto o pé” por alguns minutos e olho para trás. Vinha lá a Analice, a 50 metros! Inconformado,
resolvo abandonar o estado de “relaxaria” em que estava a correr e,
progressivamente, aumentar o andamento sem provocar grande “choque”. Passado um
bocado, talvez meia hora, volto a olhar para trás e já não a via. Bom, a coisa
compôs-se. Por volta dos 15 Km,
os ténis é que começaram a meter areia e eu estava a sentir que uma bolha
estava a preparar-se para surgir no dedo grande do pé direito. Antes que fosse
tarde, resolvo então utilizar o “material” que estava destinado a esta eventualidade:
-“arreio” a mochila e tiro de lá um saco de plástico e um “resguardo” também de
plástico. Descalço-me, tiro a areia dos ténis, lavo as peúgas encho de água o
saco e vou sentar-me no tal resguardo, para me calçar de novo, podendo tirar a
areia dos pés na água do saco! Nisto passa o Eduardo Estevez, que me
cumprimenta e a quem digo, por graça, que ia acampar ali (vontade não faltava!)
e, depois de calçado de novo e “tralha” arrumada, retomo o caminho.
Noto
que me vou aproximando de um atleta vestido de cor-de-laranja (pudera… ele ia a
andar!) era um rapaz meu conhecido e conterrâneo, o Luís Oliveira, estreante
nestas andanças. Dirijo-lhe uma palavra de incentivo e continuo como se
estivesse muito melhor do que ele. Mas não. Corri talvez uns 200 metros mais e
pus-me, também, a passo. Ele fez um esforço, aproximou-se e lá fomos os dois
andando… na maior. E quem é que estava a chegar perto de nós, quem era? A
Analice! Nãããooo! - Bora, Luís.
E ele veio comigo até aos 28,5km, local do abastecimento. Prossegui,
de novo, sozinho, com uma garrafa de água em cada mão e ainda com quase toda a
água na mochila, pois a temperatura não obrigou a grandes consumos. Em suma :
fui ainda mais carregado, mas não fui capaz de dizer que não, a quem tão
gentilmente, me dava aquela água.
Vejo que, um pouco à minha frente, um atleta alto, de equipamento
escuro, optou por parar e colocar as suas garrafas na mochila. Não achei má
ideia, mas parecia-me que, se eu parasse de novo, ia ser um problema recomeçar,
pelo que entendi melhor continuar com ambas as mãos ocupadas.
Lá vai mais um atleta a passo. Parece que não mas, quando ainda
conseguimos correr, vermos alguém a andar, dá-nos algum alento. Pode é ser por
pouco tempo. Por volta dos 32
Km, a cena do Luis Oliveira, repete-se. Desta vez era o
João Serra, meu companheiro de Equipa, a Açoreana.Seguros:
-
Bora, João - digo-lhe eu.
- Eh, pá, estou cheio de caimbras!
Dali a pouco, lá me ponho eu a passo. O João “apareceu” ao pé de
mim e, ambos a passo, prosseguimos o caminho, que não tinha nada que enganar.
Andávamos 100 metros,
corríamos o que as caimbras deixassem.
Um
trio de atletas, passa-nos e um deles tira-nos uma fotografia.
Passa,
depois, o José Valentim, o homem que num mês “espeta-lhe” com três
ultra-maratonas : Comrades; Freita e esta ! E esta, hein!?
De
repente, era ela, a Analice ! Lá se ia um “ponto de honra”, mas não havia
capacidade de reacção! Pouco depois, passa a Rute Sousa, nossa colega de equipa
. Vai bem, dirige-nos um: -“então?, vamos embora!”, mas a nossa reacção foi
apenas um “-Vai, Rute, força”, que nós estávamos ... como dizer?...
“prontinhos”.
-Agora vamos até à tenda verde! –dizia o João.
-Bora! –dizia eu.
-Agora vamos tentar atravessar a praia –dizia eu.
-Bora! -Dizia ele- só se a caimbra não deixar !
E falávamos da “loucura” que nos levava para ali, sentida no
momento, mas que sabíamos vir a sentir vontade de repetir, logo que esta
terminasse. E doía-nos o coração de estarmos apenas a andar, enquanto
passávamos por um piso excelente para correr.
E andámos nisto.
Aos 37,5Km o João disse-me para prosseguir (aliás, já o tinha dito
antes) e não voltei a parar até à meta, ganhando, até, algumas posições.
5.26.40,
foi a marca com que tive de me contentar, que foi boa atendendo à fraca
preparação que fiz, mas que foi má se atendermos às excelentes condições
climatéricas e... de piso.
Depois foi o repouso na tenda da fruta para ganhar ânimo para ir
ao duche. Aí tive oportunidade de conhecer os nossos amigos Miranda e
Serrazina, mas, lamentavelmente, o ânimo ainda não se encontrava
suficientemente recuperado para conversar um bocadinho com eles sobre as suas
experiências “ultra-maratónicas”. Há-de haver outra oportunidade.
Segue-se
o duche...frio –brrr. Como não era o único, uns deram coragem aos outros (Um
abraço Vitor Silva, António Rebelo, José Valentim).
Uma
chuva fria e incomodativa fez-nos uma visitinha. E a roupa que tinha não era
adequada a estas condições, pelo que passei um bocadinho de “briol”, até que o
sol reaparecesse, para permitir a entrega de prémios e o convívio final ao ar
livre, na Praça das Quadras.
Caía,
assim, o pano, sobre mais uma edição do Raide 2007 , assunto a que, voltarei
para comentar, mas que só faz caso quem quiser .
Uma
palavra de apreço pelo excelente trabalho da organização a cargo da Câmara de
Grândola e para o grande número de voluntários que foi determinante para mais
este grande sucesso desportivo.
2008
Saio de
casa às 4,30 da matina e, por via das dúvidas, tratei de tomar um pequeno
almoço antecipado, constituído pelo leite e cereais, que é aquilo a que estou
acostumado.
No carro
já tinha colocado aquilo que, no meu entendimento, poderia vir a fazer falta.
Arranco,
rumo a Setúbal, onde – sem necessitar de ultrapassar os limites de velocidade –
cheguei às 5,45. O barco seria às 6,15. Curiosamente, já havia por ali raiders.
Não precisamos de os conhecer para “tirá-los pela pinta”. Mas logo a seguir,
começa a chegar um bem conhecido: o Zen, depois o Pina, depois o Antunes, o
Vitor Silva, o Zé Martins, o Jorge Pereira, a Analice e, de repente, tudo nos
era familiar. Fiquei com a sensação que aquele viajem de barco, seria
exclusivamente para “mártires” que encontrariam a “glória paradisíaca” nas
areias do lado de lá do rio.
No barco,
o Antunes faz, em primeira mão, a apresentação de um protótipo de calçado
adaptado às areias, a merecer a atenção de um fabricante (deu cabo de uns Nike
“qualquer coisa” recortando a parte de frente e substituindo-a por uma fita de
velcro. A água (e a areia) entrava, mas sairia da mesma forma, mantendo o pé
sempre confortável. Vim a saber que a “costura” é que precisa ser reforçada,
para que a fita não ande ali a dar-a-dar e, às tantas, obrigue... “ao mergulho”
involuntário.
Enquanto
ouvia as estórias do Jorge Pereira, sobre as caimbras e das aventuras na Geira,
olho de relance e vejo o Zé Martins, sentado, de olhos fechados, costas muito
direitas, em pose de yoga, certamente numa meditação que o ajudasse a enfrentar
este desafio.
Ah, ainda tive o prazer de conhecer o Tiago Martins, que viria a revelar-se a
grande revelação das areias.
Chegámos à
outra banda: um cais novo que, a partir de 15 de Setembro –e por força dos
interesses imobiliários em presença, passará a acolher a “plebe” libertando a
zona nobre da península para os “donos do mundo”, substituindo o antigo.
2
Autocarros à nossa espera, e lá vamos nós para Melides.
Quando
chegámos, já lá estavam bastantes amigos nossos (que dispunham de condutor para
levar as viaturas para Tróia: O João Hébil e a sua “armada” da Atlas
Kopco-Madrid (Ricardo, Eduardo e Roberto), o Fernando Alves e o Luis Oliveira,
que preparam intensamente a sua participação no Madeira Island Ultras Trail; o
Eduardo Santos, o Tigre , a Margarida e a Yolanda.
Um
cafezinho e um queque, numa das roulotes que substituíram o antigo café e
encaminho-me para o Secretariado, onde assinei o termo de responsabilidade,
levantei o meu dorsal e me deram uma garrafa de água, uns cubos de marmelada e
mais umas coisitas que levei, mas que ainda não sei o que eram.
Vou
equipar-me . Passo um protector pela pele e vejo que, de tanta tralha que
levei, não precisava de 80%! E o saco que entreguei à Organização para me ser
devolvido em Tróia, pesava que se fartava.
A grande
novidade no meu equipamento era no calçado . Resolvi utilizar umas meias de mergulho.
Tinha feito alguns treinos com elas e sabia que entrava a água, mas não a
areia. E a água tirava-se com facilidade e não magoava os pés. Receava apenas
que a ausência de protecção da planta do pé, me obrigasse a um esforço a que
não estava devidamente adaptado. Apenas tinha feito treinos de uma hora com
elas e esse, era o único senão que me retirava alguma confiança. Decidi na hora
: ou fazia a experiência ou fazia como nos anos anteriores já sabendo que,
volta e meia, tinha de descalçar os ténis para tirar a areia. Optei pela
primeira.
Ouvimos
umas palavrinhas da Drª Margarida Moreno, Directora da Prova e encaminhámo-nos
para o local da partida
A Partida. Eu estou lá para trás...
Ouviu-se um “estalo” e puseram-se em marcha os 164 raiders, onde estavam
incluídas 14 mulheres “que os têm no sítio” .
Prudentemente, parti atrás. Estava com o João Hébil, quando “tudo” começou.
Havia que encontrar a passada certa, pelo que os primeiros metros eram de
experimentação. Logo a seguir, vemos que uns vão pela esquerda, pela “pista
húmida”, outros seguem em frente, pela “pista superior” . Entendemos seguir cá
por cima, evitando a forte inclinação.
“JÁ O FIZ ! SÓ VOS DIGO ISTO : HERÓIS!”
Era com
esta frase, toscamente escrita a castanho numa velha placa de madeira prensada,
que um pescador que ali estava, incentivava este grupo de aventureiros. “Herói”
é forte de mais, mas que nos faz bem ao ego...!
Vi que não tinha pernas para acompanhar o João, que, entretanto, optou por
descer. Ao ver que ele se distanciava, ainda pensei que fosse por ser mais
fácil correr na areia molhada. Passado o primeiro quarto de hora de corrida,
entendi correr junto à água.
As
distâncias entre os atletas iam crescendo e as nossas “referências” passavam a
ser a côr dos equipamentos : o laranja era o Zen, o branco e preto era o Vitor
Silva (ambos teimavam em correr na “pista superior” e, pelos vistos, a darem-se
bem) o amarelo era o João Hébil e o Eduardo Esteves (que tinha a bandeira
espanhola na mochila), o verde era o Tigre. Vim “na peugada dele”! Desta vez,
sabia que não iria ser apanhado pela Analice, pois, “estrategicamente”, parti
atrás dela e... nunca mais a vi.
A primeira
bandeirinha, dos 5,5 km,
só aos 44 minutos é que apareceu. A “coisa“ prometia!
Uma hora
de corrida. Era tempo de tirar a água das “botas”: sento-me na areia, “alço a
perninha” e, com as mãos alargo o “cano” de neoprene e, só pela gravidade, a
água saía. Vinha quente. Pensei cá para comigo que, quando chegasse ao fim,
teria os pés cozidos. Continuei em passo de corrida durante mais uma hora. Era
um passo fraquinho com que me ultrapassavam facilmente.
À passagem
da 2ª hora (teria feito pouco mais de 10 km) volto a tirar a água. Aí, como já tinha
passado por alguns que vinham a passo, fui contagiado e pus-me também a andar,
na esperança de que a vontade de correr voltasse depressa. A primeira
tentativa, após 20minutos, falhou ! Um jovem do norte, equipado de vermelho,
vinha também a passo, com os pés cheios de areia e trazia unicamente uma
garrafinha na mão, já com pouca água. Aconselhei-o a tirar a areia dos pés para
não os ferir e ofereci-lhe o meu apoio para essa operação. Não quis, mas tenho
a certeza de que viria a fazê-lo mais tarde, pois só estava feito pouco mais de
um quarto da prova.
O sol,
impiedoso, batia forte, projectando na areia toda a minha sombra em menos de um
metro. Apesar de ter tido a precaução da aplicar protector principalmente nas
partes (nas partes?) mais expostas, começava a sentir alguns ameaços de
escaldão. Felizmente, não passou de ameaços.
Nisto,
aproximam-se duas atletas : a Tânia Machado e a Rita Carrola, da
Açoreana-Banif, minhas colegas de equipa. Diz a Tânia :- “para o ano é umas
coisas dessas que eu trago!” referindo-se ao meu calçado. De imediato lhe disse
que não era grande coisa, pois deixava entrar a água. Aproveitando a passagem
da moto-quatro da organização, ela pediu para lhe levarem os ténis e optou por
correr descalça. E lá foram as duas continuando sempre a ganhar terreno.
Às 3 horas
de prova, sou ultrapassado por um atleta que vinha num passo que era uma
“desgraça”, mas mantinha-se em corrida e a verdade é que em 5 minutos deixei de
o ver! Pensei então, que era muito importante manter um passo de corrida.
Lembrei-me daquela máxima acerca do sorriso : “corre ainda que o teu passo seja
triste, porque mais triste que o teu passo triste, é a tristeza de não saber
correr”! E pus-me a dar à perna. A pouco e pouco, vou ganhando um ritmo
aceitável e até vou ganhando posições.
28,5km.
Vinha bem. Aceito as duas garrafinhas de água, bem mais fresquinha que a da
mochila, e, com sofreguidão, não resisti a uns bons goles. Asneira. Lá vem a
náusea e o desconforto e tive de me pôr a passo outra vez, à espera de melhores
momentos.
Passa o
José Valentim, que me convida a segui-lo, mas não fui capaz. Mas dali a bocado,
recomecei e apanhei-o. Estava ele, entusiasmado a olhar o mar e disse-me:
-Oh
Andrade, olha p’r ali ! Não vês uma baleia ? Olha! Olha! – e fazia-me seguir
com os olhos a direcção que ele apontava com o dedo.
-Onde?
-Ali, ali, oh,oh!!!
Eu não
podia parar. Ia saltitando, tentando, ao mesmo tempo, descortinar a baleia que
ele dizia que ali estava.
Às tantas,
digo-lhe : - Ãh,ãh! Iiiiiiiiii...
Não tinha
visto nada, mas a verdade é que se parasse, sabia lá quando é que voltaria a
ter vontade de correr!?
Sei que é
feio o que disse, mas, dadas as circunstâncias, o Zé Valentim, grande amigo das
grandes jornadas, vai-me perdoar ter “concordado” só para me despachar.
Hoje, no
jornal, vi a notícia : “Tubarão-Frade assusta costa alentejana” ! E trazia a
fotografia do bicho, a poucos metros dos banhistas de uma das praias por onde
passámos, por volta da hora do almoço.
Fui novamente alcançado pelo Valentim e ele aconselhou-me a não ir a passo;
para tentar encontrar uma marcha que nem seja a andar nem a correr. Dei-lhe
razão e viemos os dois alguns quilómetros, quando ele me disse para eu
continuar que ele já não conseguia. Tentei dar-lhe o mesmo conselho que ele me
dera, mas não resultou. Pôs-se a passo e eu contava que me acontecesse o mesmo
lá mais para a frente.
Uma senhora vinha a caminhar, em sentido contrário e diz-me : -“Vá já falta
pouco, que eu saí de lá!”- O que ela não disse foi a que horas saíu, pois não
se viam sinais da meta! Quando vejo o pórtico branco da meta lá longe, já me
custava a acreditar. Só depois da última curva é que me certifico de que aquilo
era mesmo o “ponto final” desta longa caminhada.
Entro na areia solta. Naqueles 50m de areia que eram a “passadeira da glória”.
6.27.32!
Alguém
agachado junto ao pórtico, aplaudia mais vibrantemente a minha chegada. Era o
Rui Lacerda! Apetecia-me “entrar” com ele, dizendo com uma “vozinha de vodafone
desgastada” : “ontem à noite, Ãin !?” mas muito mais desgastado que a voz,
estava todo eu!
Em vez de andar, cambaleava. As pernas não obedeciam. A tenda da Cruz Vermelha
tinha “clientela” com fartura: uns faziam massagens, outros tratavam das
caimbras e das bolhas dos pés (tás bom Jorge?!). Recebo o saco e vou direitinho
à tenda, para me sentar e refrescar com a saborosíssima melancia e o
saborosíssimo melão e a saborosíssima sombra e o apetecidíssimo repouso.
Ahhhhh! “Bendita
a fruta da vossa tenda! De truz!”
O que me
aguardava neste dia 26 de Julho, obrigava a que madrugasse, mesmo que tivesse
dormido pouco e a véspera fosse um dia stressante.
Assim estava agendado, assim tive que cumprir a agenda.
Às 6 estava em Setúbal para apanhar o primeiro ferry, que nos levaria ao
autocarro que estava à nossa espera para nos levar (e largar) em Melides.
Diga-se que não sobrou muito tempo, desde o momento da chegada do autocarro e o
da partida dos atletas, mesmo tendo-se registado um atraso de 15 minutos.
Como tinha
comido as minhas papas de nestum às 4,30, aproveitei para tomar um cafezinho e
comer um bolo, numa das roulottes que se encontram perto do parque de
estacionamento da Praia de Melides.
Encaminhámo-nos para o secretariado para levantar os dorsais e onde nos deram
uma garrafa de água, uma barras de cereais, uns cubos de marmelada e uma peça
de fruta, para levarmos. Dei por mim, faltavam 10 minutos! tranquilizou-me o
aviso de que o tiro da partida seria adiado por 15 minutos. Apliquei protector
solar nas zonas que achava mais propícias ao escaldão, o que foi feito um
bocado às cegas, conforme testemunham as marcas que hoje tenho atrás dos
joelhos.
Da minha equipa, a ACB, apenas a Rute estava presente e com ela troquei umas
breves palavras de circunstância.
E foi
assim, à pressa que, enchi o depósito da mochila, carreguei-a com as
trapalhadas do costume (que podem fazer, mas que não fazem falta!) e pus também
uma bolsa para levar a máquina fotográfica e o telelé.
Feito o brieffing habitual , fomos pela passadeira de madeira, para o areal
onde estava definida a zona de partida. Encontrei aí o Corredor das Palavras e o Pára que não Pára, que já se
admiravam de não me terem visto ainda. Podia lá ser?! A Susana e a Isabel tiraram-nos
umas fotos para registar o momento e um repórter ficou surpreendido (e sem
saber como dar continuidade à entrevista) com a resposta que o João Hébil lhe
deu, quando lhe perguntou se estava preparado. Tinha-lhe dito que não! Alguém
deu o tiro de partida e pusemo-nos calcar areia. Inconformado, o repórter, foi
atrás do João, para lhe arrancar mais algumas palavras. Ainda nos rimos à conta
disso.
Algo se passava com a minha mochila, pois eu sentia as costas todas molhadas.
Como não tinha tido tempo de ter feito a verificação do equipamento, pensei
logo que me tinha esquecido de ligar o tubo ao depósito, ou ter deixado a tampa
por enroscar. Mas não liguei, até porque o fresquinho nas costas e nas “cruzes”
me ia a saber bem.
Havia que ser cauteloso no ritmo da passada e na escolha do piso. Já se sabia
que os primeiros quilómetros eram muito maus. Até onde foi possível, ainda
seguimos pelos trilhos das moto-4 da Organização, pois ali, a areia já tinha
sido calcada, cedendo menos à passada. Quando o João me vem com a conversa de
que se pisarmos as pegadas dos outros, era melhor, respondi-lhe que isso
obrigava a um ritmo diferente do nosso. - Que se lixe o nosso ritmo – diz-me
ele- a gente adapta-se ! Resolvi experimentar. De facto, achei que a progressão
era melhor, mas tinha um grande inconveniente: obrigava-nos a estar
concentrados no sítio onde íamos pôr os pés e perdíamos, assim, uma das
componentes mais atractivas da prova que é a paisagem. Bom, mas como isto seria
coisa para poucos quilómetros…
No ano
passado, havia um pescador que, por esta altura, exibia uma mensagem de
estímulo escrita numa placa de madeira (“Já o fiz ! Só vos digo: Heróis”). Este
ano, lá estava, presumo que fosse o mesmo, com uma placa dizendo :”Esta é só
para os duros”. Mesmo sendo mentira, estas coisas fazem-nos sentir fortes.
Continuando, mais cedo que o esperado, deu para escolhermos uma rota mais perto
da água, com a areia mais compacta. Passámos a 1ª bandeira (5,5Km) com 42,30,
mais ou menos no mesmo tempo que na edição anterior, mas sentia que o tinha
feito com mais facilidade. Na verdade, a maré estava bastante baixa e o mar
calmo, pelo que a água não tinha tendência para “invadir” as rotas seguidas
pelos atletas, a menos que se fosse muito distraído, o que, diga-se, era fácil
acontecer . Dali para a frente, o piso iria ser cada vez melhor, permitindo
correr a uma velocidade igual à de chão firme e regular. Assim houvesse pernas.
Passámos pelo Jorge Pereira, que dizia mal da vida por ter vindo pela areia
seca até ali, sentindo-se desgastado, desnecessariamente, até se ter apercebido
que estava a ser ultrapassado por todos. Viemos com ele até onde foi possível.
Olhei para trás e vi que o Pára “não parava mesmo” e estava ali, a vinte ou
trinta metros, juntando-se a nós por algum tempo.
Uma brisa
suave e fresquinha vinda da frente, temperava os efeitos escaldantes do sol que
dava nas costas.
A um ritmo
crescente, demos por nós a fazer 6,05/Km, o que excedia largamente as previsões
e nos fazia recear vir a “pagar a factura” lá mais para a frente. Abrandámos e
fomos “segurando a coisa” nos 6,30-6,45/km . É que o piso era bom e a tentação
de responder ao facilitismo era grande. Passa a Rute com o Luís Parro quando
estavam percorridos cerca de 10
Km . Vinham bastante bem e rapidamente “desapareceram”.
Fui ver o que se passava com a mochila. Não descobri a anomalia, mas a água que
tinha já era pouca. Numa das Praias lá estava o Zen a incentivar a malta… e que
bem sabe uma palavrinha de apoio. Também o meu colega de equipa, André
Quarenta, me foi dar uma “forcinha” ( e até nos tirou uma foto).
Perto dos
28km, o João começou a ficar para trás. No abastecimento (28,50Km) apenas
aceitei uma garrafa de água, pois na outra mão levava uma de Isostar. Seria
suficiente. Vou ao tubo para um golinho de água e… só bolhas. Tou feito! E eu
que só trouxe uma garrafa! Estava condenado a poupá-la.
Noto que
nos vamos aproximando do Luís Parro, que, entretanto já vinha sozinho, e
passámo-lo durante uma “paragem para libertação de líquidos”.
À medida que a distância ia sendo percorrida, notava-se a necessidade de apelar
cada vez mais à concentração. Olhos em frente, a pala do chapéu, fazia-me
pensar que me aproximava de qualquer coisa por onde passaria por baixo.
Levantava a cabeça e era apenas o céu que me tapava. Do lado esquerdo, o mar,
calmo e suave, convidava a uma banhoca. Não podia ser. Diz o Jorge : - Olha, já
estamos a andar a mais de 7,30! Eu bem te dizia que, há bocado íamos muito
depressa!
Fizemos umas continhas: se mantivéssemos assim, chegaríamos dentro das 5h, o
que não era nada mau. O importante era ir resistindo à tentação de nos pormos a
passo, dizia eu.
Só o facto
de estar a pôr essa hipótese, já era indicador de que poderia claudicar. Na altura,
o Adelino tinha-se juntado a mim e ao Jorge e eu fiquei impressionado com a sua
prestação, pois as várias vezes que ele se tinha aproximado e deixado ficar
para trás, fazia-me pensar que estaria a desgastar-se em demasia. Mas não!
Grande Adelino, ele aí estava para as curvas, quando já passava dos 35km.
De repente, “trau”! um impulso qualquer descontrolado, pôs-me a passo! Ui…
doía-me tudo: as ancas, os joelhos, os tornozelos… Não conseguia andar. E,
nestas coisas, andar a passo pode compensar, desde que se consiga andar rápido.
Como era possível? Se a correr, embora lento, ia bem, sem qualquer tipo de dor,
como é que a marcha me era tão desagradável? Arrependi-me de me ter posto a
passo, mas não encontrava ânimo para recomeçar a correr. Vêm depois umas
náuseas. Atentos, aparecem logo elementos da organização, em moto-4,
perguntando-me se era preciso alguma coisa, se estava tudo bem. -Não, obrigado.
Já passa! –disse eu! –Então dê cá o lixo, escusa de ir carregado! – Nem tinha
reparado que andava com duas garrafas vazias nas mãos.
Vou à
mochila buscar uma peça de fruta e depois outra e vou andando e comendo. Vários
são os atletas que passam por mim: José Martins, Luís Parro e outros. Passa
também o António Almeida : -“Vamos embora, Fernando !Neste passinho assim
…curto, acha que não consegue!? “-Ainda não, António! Siga, siga, que eu, já
recomeço!”
Não sabia
quantas eram as curvas que faltavam para avistar a Meta, mas sabia que
faltariam, talvez, 3Km. Deixa cá experimentar a correr novamente: Em cerca de 50 metros, encontrei o
ritmo e parecia-me que ia bem. Pensei logo que devia ter recomeçado há mais
tempo, mas pronto. Recupero algumas posições entretanto perdidas, volto a
passar pelo António e, lá longe, avisto o pórtico amarelo da Meta. O objectivo
estava à vista! Agora nada me faria parar. O ânimo regressa e acho, até que
aumentei o andamento, chegando ao final com 5,24!
O prémio, os Parabéns, a descompressão naquela tenda “abençoada” onde
tabuleiros com melão, melancia, uva, faziam as delícias daquela gente que “tão
mal tinha tratado o corpo” naquelas últimas horas. Misteriosamente, a glória de
chegar, mesmo que ainda doridos pelo esforço, sublima-nos para uma dimensão
diferente. Quanto mais difícil o caminho, mais saborosa é a vitória. Cá por
mim, já vão cinco! E só quando não puder mesmo é que não estarei lá.
2010
Talvez
pudesse pensar-se que quem vai, pelo sexto ano consecutivo ao Melides-Tróia,
apenas encare essa participação com naturalidade, em que nada de novo possa
descobrir. Mas não é assim. Pelo menos comigo. É certo que não senti o “
nervoso miudinho” de estreante, mas o respeitinho pela jornada estava presente
e tinha a certeza de que cada edição nos proporciona uma Prova diferente em que
o factor surpresa, é uma constante. Seja boa ou seja má.
Cumprida
a rotina habitual do transporte, chegámos a Melides cerca de uma hora antes da
partida.
O
tempo estava encoberto, conforme se desejava, mas a Praia de Melides, após as
obras de requalificação, apresentava-se cheia de “glamour”, com modernas
passadeiras em madeira entre a área de estacionamento e o pórtico da partida,
no areal .
Para
que tudo se processasse com calma, levantámos o dorsal e havia que começar a
equipar : colocar protector solar principalmente nas zonas mais expostas (pois
embora o céu estivesse encoberto, a qualquer altura o sol poderia “aparecer” e
apanhar-nos desprevenidos), preparar o conteúdo da mochila (agora é que é certo
: NUNCA MAIS LEVO MOCHILA!),ir à casa de banho (agora já não há necessidade de
ir atrás das dunas); tomar
um cafezinho, tirar umas fotos com a malta da minha equipa, a ACB, que se
apresentava com seis (!) atletas à partida, e outras com malta dos
blogues , ouvir as recomendações da Organização (infelizmente ainda há quem não
cumpra e continue a deitar fora, as
garrafas de água e as embalagens de gel ) e pronto…só faltava encaminharmo-nos
para o local da partida, desta vez decorada condignamente com um pórtico
insuflável e baias laterais.
Carlos
Lopes, mais uma vez, o padrinho da Prova (ladeado pelo Sr. Presidente da
Câmara, Vice-Presidente e
Vereador do Desporto da Câmara de Grândola) deu o tiro da partida.
Os
214 atletas inscritos (novo record de participantes) iniciam a prova, em
diferentes direcções, como sempre acontece: uns preferem a areia seca por ser
plana, outros preferem a molhada por ser mais compacta, outros ainda (eu, por
exemplo), vão correndo sem se decidirem por qual hão-de optar.
Dizia-me
o João Hébil : - “Afinal não estou a perceber a tua estratégia! Vamos por cima
ou vamos por baixo?”
Ainda
eu estava a “apalpar” o terreno, mas decidi-me
a ir por baixo. “- Por aí é muito arriscado!” –dizia-me ele.
Claro
que o risco era apenas o de ficar com os pés molhados logo no início da prova.
Não convenci o João a vir comigo e, claro, rapidamente fui “atingido” por uma
onda que se espalhava pela areia sem se “incomodar” com quem se atravessava no
seu caminho.
Havia
quem fizesse uma trajectória em zigue-zague , mas eu optei por fazê-lo o mais
rectilíneo possível. Mesmo junto à água a areia afundava-se, pois o mar não
tinha vazado o suficiente, mas achei que, apesar disso, seria menos desgastante
correr ali que na areia seca.
Bandeirinha
dos 5,5Km : 39,30 ! Bem bom, pois a parte teoricamente mais difícil, estava
quase feita.
O
João começou a afastar-se e eu a ver-me obrigado a refrear o ritmo.
Depois
vem o desconforto intestinal a obrigar-me a subir e sair da trajectória dos
atletas, para aliviar. O “esconderijo” era bastante amplo e permitia-me ver as
cabeças dos atletas que iam passando junto à água. Retomo o andamento. Lá vinha
o meu amigo e colega da ACB, Francisco Pereira. –“ Vamos embora, Francisco!” –
procuro incentivá-lo, mas eu também começava a não estar muito bem. O peso da mochila começava a
incomodar-me. Pensei que, se não me libertasse da carga, dali a pouco poderia
vir a ter problemas de dores nas sacro-ilíacas (nas “cruzes”! para não estarmos
cá com “paneleirices”) . “-O melhor é mesmo começar a beber água , nem que seja só para
bochechar e sempre seria menos um kilo e meio. Vai um cubinho de marmelada para
acompanhar. Gostei e ganhei algum ânimo. Mas a areia… essa continuava a não
querer colaborar e já estavam decorridos mais de 15km.
Entretanto,
também já tinha os sapatos cheios de areia e pensei em fazer uma paragem
para dar algum conforto aos
pés. Tiro os ténis e passo-os por água. Fiquei só com as peúgas. Lembrei-me que
no ano passado, vinha equipado com um plástico que estenderia na areia, para
fazer essa operação, mas este ano, facilitei e não o trouxe. Com os ténis um em
cada mão, pus-me a correr e achei que os pés estavam melhor sem eles. Mas não
dava jeito correr com as mãos assim ocupadas. Vejo o Nuno Espírito Santo,
também ACB, junto a uma
moto-quatro, “em conversações” com a Organização. Mau- pensei! Ainda lhe disse
qualquer coisa, mas ele – vim a saber- estava decidido a parar mas não podia
abandonar ali e teve de ir até ao próximo posto de controlo. Uma baixa
importante nas “aspirações” da equipa.
O
que eu queria mesmo era chegar aos 28,5km e alijar a mochila e os ténis, que a
organização me devolveria no final. Por volta dos 27, com o Carvalhal à vista,
mas “lá looonge!!!” tenho uma enorme quebra e tive de me pôr a passo. Registo,
com agrado os incentivos que recebi no percurso( não me lembro é onde), dos
meus colegas de equipa, André Quarenta e Lúcia Oliveira) .
Passo
o controlo dos 28,5! Finalmente. Tiro um gel da mochila, recebo as duas
garrafinhas de água e peço para deixar a “carga” que tinha a mais. Ali mesmo,
não resisti ao apelo das águas límpidas e calmas da Praia do Carvalhal e…vai um
mergulhinho. Vestido e tudo! Tão bem que soube!
Uma
garrafa de água em cada mão e um gel. Agora era só o que tinha. Sentia-me leve
e, a pouco e pouco, vou ganhando um andamento que até a mim me surpreendia.
Ganhei umas uvas fresquinhas que
o Eduardo me deu (isto não se pode dizer porque é proibido!) mas que vieram
mesmo a calhar.
Finalmente
(por volta dos 34 km)
a areia começou a ficar melhor, facilitando a corrida, e continuo a ganhar
andamento. Alguém vinha em sentido contrário, correndo. Era o meu amigo
Virgílio Madeira, da ACB, que vinha ao encontro da malta para incentivar nos
últimos km. Fez-me
companhia quase até Soltróia. Disse-me que ia num andamento forte (!) e isso
estimulou-me, pois o piso agora estava bom e só faltavam 6km. Eis que aparece
mais um ACB, o grande ultra Carlos Fonseca. Como eu ia bem, o Virgílio e o Carlos
foram ao encontro do Francisco.
Vou
ganhando posições e resolvo tomar o gel que trazia, para ver se não perdia
ritmo. Aguentei-me bem. Passo pelo meu colega ACB, Carlos Souto e nem dei por isso (só no
final é que ele me disse) alcanço
o Pedro Amorim , o grande Ultra da Comrades e da Freita que, “influenciado”
pelas Melíadas veio do Porto participar na UMA e terminámos juntos, esta Edição de
2010.
5,51.
Como não
quero chatear muito, volto depois para contar mais coisas.
Dito
o que me ocorreu quando me pus a escrever sobre a UMA 2010, ficou por dizer ainda muito.
Fico
feliz quando vejo que, cada vez mais gente se rende à mística desta Prova e
quer fazer parte dela. Tenho pena que sejam ainda tão poucos os que, neste
País, se aventurem numa jornada que marca qualquer um, independentemente dos
objectivos que tracem. Sinto um certo orgulho em saber que os meus relatos
influenciaram alguns amigos participantes que vieram a ficar “apanhados” por
esta Prova diferente de todas as outras. Diferente até de si mesmo.
Surpreendente. Só quem a faz e tem presente a emoção que ela transmite,
perceberá onde quero chegar.
Estamos
sempre a aprender e o que pretendo fazer agora é registar os erros (para não
voltar a cometê-los) ou princípios que tenho que ter sempre presentes, em seis pontos :
1- A
semana que antecedeu a Prova, foi bastante agitada (envolvi-me num outro evento
realizado na véspera -Um Concurso Hípico, imaginem(!)- e acabei por não ter tido tempo de
seleccionar o material que me faria falta). Como tal, à pressa, e com medo de
que me viesse a faltar alguma coisa, fui
pondo tralha e mais tralha,
esquecendo-me que o carro ficaria em Setúbal . 1ª LIÇÃO – Não deixar para a última hora a selecção do material
transportar.
2- O
tempo estava completamente encoberto em Melides e não lembrava a ninguém que o
protector solar fizesse grande falta. Porém, era provável que o sol abrisse ao
longo da manhã e causasse grandes danos na pele dos corredores, como veio a
acontecer. Usei um bom protector (factor 50) que apliquei em todas as zonas
expostas. Não tive qualquer problema de queimadura, como tive, por exemplo, em
2006. 2ª LIÇÃO - Nunca esquecer o
protector solar, mesmo que esteja a chover.
3-
A mochila de hidratação (que
também dá para pôr outras coisas) se bem que nos dê alguma segurança, constitui
um peso acrescido que nos penaliza. Juntar esse peso, às condições da areia,
obriga-nos a um grande esforço que pode levar a dores lombares. 3ª LIÇÃO – Hidratar sim, mas sem a mochila.
É preferível usar sinto ou simplesmente levar uma garrafa de 0,5L em cada mão
(que chega até aos 28,5km, altura em que a Organização nos abastece com mais
1L.); uma bolsinha à cintura, com uns pacotinhos de gel ou outros alimentos de
absorção rápida, será suficiente.
4-
Já tinha experimentado correr
descalço, numa edição anterior, quando me tive de descalçar diversas vezes para
tirar a areia dos pés. Desta vez, tirei apenas os ténis após cerca de 10km de
prova, mas fiquei com as peúgas calçadas. Dei-me bem com a experiência e acho
que não vou querer outra coisa. 4ª LIÇÃO
: Correr, logo de início, com peúgas (nada de preocupação com
impermeabilização), que tenham uma certa espessura na sola para amaciar o
impacto com a areia.
5-
Escusado será dizer que é
preciso gerir bem o esforço ao longo dos 43km de areal. No entanto, há que ter
presente que, por norma o 1º terço é mau, o 2º pode ser bom ou pode ser mau e o
3º, também por norma, é bom. Logo, o que de mais frustrante nos pode acontecer
é chegar à parte boa e já não termos pernas para correr, como me aconteceu em
anos anteriores. 5ª LIÇÃO – Não travar
grande luta contra a areia mole para não nos desgastarmos antecipadamente.
É verdade que temos que a ultrapassar, procurando fazê-lo com “margem” para
depois podermos correr quando o piso melhorar.
6-
A distância mais curta entre
dois pontos é um segmento de recta. Vi vários atletas que iam na zona de
rebentação a fazerem um trajecto em zigue-zague para fugir à água. Para além
das mudanças de ritmo (arranques) que essa fuga à rebentação provocava e o
consequente desgaste, obrigava a percorrer uma distância muito maior
(lembrem-se do teorema de Pitágoras). Portanto, 6ª LIÇÃO – Pés molhados, mas correr sempre a direito.
2011
Participar
no Melides-Tróia está-me no sangue. Desde que em 2005, fui “picado pelo bicho”
e pelas grandes reflexões a que este desafio me obrigou (e que, honrosamente,
“contagiou” alguns novos companheiros), nunca deixei de estar presente. E
sinto-me com sorte por ter tido sempre capacidade física e psicológica
suficiente para concluir a prova.
Esta
foi a 7ª edição e aquela que maior número de inscritos alcançou (mais de 280),
muito fruto da excelente divulgação feita aquém e além fronteiras, desta Ultra
Maratona Atlântica, de características únicas, com um futuro promissor e que
cada vez tem mais procura pelos corredores com espírito de aventura.
Mais
uma vez, lá estive. Confesso que não senti grande ansiedade. Erradamente, até
descurei um bocado, o respeito que a Prova merece, mantendo a mente
despreocupada, armando-me em forte, como se a experiência dos outros anos,
fosse o garante de que tudo iria correr às mil maravilhas. E até tive o
descaramento de dar conselhos, imaginem! Manias.
Mas,
vamos lá ao que interessa.
Desde
a edição anterior, pus na cabeça uma alteração da estratégia para enfrentar a
próxima participação : nada de mochilas (bastará uma bolsinha com uns géis e um
cubo de marmelada e um cinto com 3 “gerricans” de 1 dl que comprei no Lidl) ,
uns lenços de papel (para uma eventual emergência), um saco de plástico (pode
não servir para nada, mas não pesa nada e, em toda aquela extensão em que só
existe água e areia, um saquinho de plástico pode assumir as funções do mais
requintado cadeirão. Esta “jura”, fi-la no ano passado, quando passados 5km,
ainda tinha a mochila carregada e os ossos a começar a doer. Logo, se levar
água que dê até aos 28,5 (abastecimento oficial), não é preciso ir carregado;
nada de calçado (ou melhor, apenas peúgas. É que na última edição, chateei-me
com os sapatos que estavam constantemente a encher de areia. A meio da
prova, levo os sapatos na
mão até aos 28,5 e pedi à Organização que mos trouxesse para a chegada e fiz o
resto da prova só com as peúgas e achei excelente.
Porém,
na UMA, o que é válido para um ano, já pode
não ser para o ano seguinte. Apenas sabemos onde a prova começa e onde acaba.
Entre uma coisa e outra, tudo é imprevisível. Há sempre qualquer coisa que nos
troca as voltas; Estamos sempre a ser “fintados”.
Depois
de cumprimentar muitos ( e cada vez mais) amigos “habitués”, juntámos a malta
da ACB para a foto de família (Eu, o Carlos Fonseca o Arlindo Duarte, já conhecedores do
percurso, o Fernando Celestino, o Pedro Burguette, o Rui Silva, o Paulo
Moradias e, que o Vitor Rafael, que iriam ter a 1ª experiência. No apoio,
estiveram o Tam Afonso, o Tó Jó e a Lúcia Oliveira). Ouvimos umas palavrinhas
da Organização, e calmamente, encaminhámo-nos para o pórtico da partida.
Falávamos em procurar manter um ritmo de 7’/km o que daria um tempo próximo das
5h.
É
dado o tiro e, desta vez não vi hesitações na escolha da trajectória. Todos se
encaminharam para o ”piso inferior” – da areia molhada - pouco temendo que os
pés se molhassem com alguma rebentação mais atrevida. Surpreendentemente,
o troço de areia fofa, ao contrário dos anos anteriores em que se estende por 6
ou 7 km,
desta vez foram apenas uns 500m se tanto! A areia estava fantástica: lisa,
compacta, como se nos tivessem estendido
uma enorme passadeira onde
a corrida era fácil. O Rui
e o Arlindo, nos seus ritmos mais rápidos, foram para a frente e nunca mais os
vi. Quando a fila começou a esticar, olhei para trás e lá vinha o Paulo que,
dali a pouco estava ao pé de mim. Fomos juntos, a cerca de 6,30, um andamento
excelente, na parte que, pensava eu, seria a parte mais difícil. Não estava
calor e uma brisa suave que soprava de frente, não dificultava em nada o
andamento. Estava contente com a opção de correr de peúgas. Sentia os pés
livres.
Debaixo
de olho, tínhamos uma referência incontornável do pelotão: a cerca de 50m, lá
ia a Analice, camisola florescente, marcando o ritmo, com tendência para se
afastar de nós. Ora, se nós íamos bem, ela ainda ia melhor.
Aproximámo-nos
do Carlos Fonseca, sinal de que ele não iria muito bem, mas manteve-se à nossa
frente.
Por
volta dos 15km começo a notar uma perda do andamento, confirmada pelo GPS do
Paulo.
Já nos estávamos a aproximar dos 7’. O vento começava a fazer efeito,
obrigando a um esforço suplementar. Disse para ele seguir, pois ainda faltava
muito e eu tinha de controlar a coisa enquanto podia. Mais lento, lá fui
andando, com o vento de caras e cada vez mais forte. A ajudar a festa,
progressivamente, o piso que habitualmente era bom, apresentava-se agora
bastante difícil, muito por força da maré que, ao encher, inundou a “pista”,
obrigando-nos a outro esforço suplementar.
Subitamente, sou ultrapassado pelo Fernando Celestino! Que bem
que ele ia. Passa o Alex, também num andamento bastante controlado e eu…nada.
Nunca mais chegava à Comporta (28,5km -onde estava o
abastecimento) e o meu
andamento ia sendo cada vez mais deplorável. Passa o Luis Parro e eu nem reagi.
Sabia que ele tinha feito uma boa preparação e limitei-me a desejar-lhe boa
prova. Dizia ele por brincadeira, que “nestas condições, os tempos não vão ser
homologados”, que o “piso estava uma auto estrada”. Ainda não sabia era o
que vinha a seguir.
Lá longe, começava a ver-se uma mancha negra na areia. Seria a
Comporta. Mas para lá chegar…
Vezes sem conta, pensei esquecer-me de que andava a correr e
apetecia-me fechar os olhos, como se fosse passar pelas brasas. E cheguei a
fazê-lo, mas sempre fazia desvios inconvenientes e tive que deixar a soneca
para quando chegasse.
Ao meu encontro, com um chapéu igualzinho ao meu e uma T-Sirt da
UMA do ano passado, veio o nosso amigo Joaquim Adelino, que este ano viu a
prova de um outro prisma, equipado com a sua maquineta e correu ora a meu lado,
ora atrás de mim, pensava eu que era para tirar fotografias. Afinal, estava
mesmo a filmar. Obrigadão Adelino, ter um repórter amigo é um privilégio. Ah… e
quando me disseste que eu estava com sinais de desidratação, fiquei a pensar
naquilo. É que eu tinha os lábios brancos por causa de um baton branco que
tinha posto para protegê-los, eheh. Também
o Eduardo Santos estava por ali a fotografar a malta e registou a minha
passagem. Obrigado Eduardo.
Chegado
à praia (ou melhor, ao sítio onde estava gente acumulada), um aplauso e um
incentivo do amigo Nuno Tempera dos Run4Fun que estava ali a trabalhar para o
bronze e a fazer inveja aos passantes. Recebo as 2 garrafas de água, despeço-me
do Adelino e continuo entregue à minha sorte.
Vinha-me
à lembrança que no ano passado, naquela zona, tinha feito uma pausa na corrida
e ido dar um mergulhito, que soube muito bem. Mas agora não estava para aí
virado, até porque não estava calor e a ventania e a roupa molhada iriam enregelar-me o
corpo. Não. Depois vem
outro dilema: continuar a correr com a velocidade com que se anda (tal era já o
empeno) ou pôr-me a passo ? Optei pela 2ª, mas procurando manter-me com um
passo activo. Passa a Graça Roldão, passa o Carlos Fonseca e muitos outros.
Tomo um gel e água. Passados 20’
volto a pôr-me a correr. Progressivamente, fui ganhando ritmo e recupero muitas
das posições que tinha perdido: o Parro (que já dizia ter falado antes do
tempo) e a Graça. Já tinha a Analice a poucos metros e estava convencido que a
alcançaria. Mas eis que
levo uma nova “martelada psicológica”: quando pensava que estava a atingir os
40Km, vejo a bandeira dos 37,5!
Lá
tive de me pôr a passo novamente e lá voltei a perder lugares. Um bocadinho
antes da última curva, pus-me novamente a correr, pois não tinha jeito entrar
na parte final a passo. Lá está o pórtico “pequenino” e conforme posso,
aproximo-me dele, corro esforçadamente, os últimos metros em areia solta e
chego ao tapete! Nem mais um metro! Páro, ergo os braços, por ter concluído a
Prova e lá vem a maldita náusea. Um desviozito para a direita e encosto-me à
grade, com aquela desagradável sensação. Aproxima-se de mim o Sobral, com uma
garrafinha de água para aliviar. Confessou-me que a mulher, a Umbelina, lhe
tinha dito:- “Oh, lá está o Andrade! No ano passado calhou-me a mim, este ano
vai lá tu!”. Eheheh. Obrigado Sobral. O que vale é que aquilo dura um
minutinho. Ora, o que é isso comparado com as 5h30m que demorei a fazer a Prova?
Depois,
foi a melancia do costume e o tratar das bolhas nos pés, na tenda da Cruz
Vermelha, onde, simpaticamente fui atendido. Reagrupámos a equipa junto ao
leitão que o Nuno Espírito Santo tinha à nossa espera (pena que eu não tivesse
estômago para outra coisa que não fosse MELANCIA).
A
vontade de fazer um relato deste Melides-Tróia de 2012, é enorme, mas a grande
dificuldade está mesmo em saber por onde começar. Pelo princípio! OK, mas qual?
Desde que começou a preparação? Desde que me decidi quanto àquilo que precisava
de levar? Desde que saí da casa, às 4,30? Desde…?
Chegado
a Melides no autocarro da organização que apanhei em Tróia, fui levantar o
dorsal e fazer a selecção do material que me acompanharia até Tróia. Num
recanto da enorme passadeira de madeira que nos leva à praia, estava ali o meu
amigo Carlos Pinto Coelho a preparar-se. Foi ali mesmo que arreei a mochila e
fiz o mesmo. Ver se não me esqueço de nada: Dorsal na camisola, protector solar
na pele exposta (pois o dia anunciava calor), ir bebendo água para ficar
hidratado para uma hora, pelo menos; Colocar um cinto com 3 “frasquinhos” de 1 dl com bebida energética,
uma bolsa com uns géis; calçado como se fosse para uma prova de estrada; chapéu
na cabeça, óculos de sol. Na mão, uma garrafa de água. O resto da “trouxa” era
para enfiar num saco e entregar na carrinha da organização.
Ainda deu para ir tomar
um cafezinho no bar da praia.
Depois,
vem o compasso de espera, as fotos da praxe com o pessoal da ACB e com outros
amigos, o habitual briefing com as principais recomendações e pronto, era só
aguardar pelo tiro da partida .
Ei-lo.
Calmamente, lá fomos avançando na areia solta. Rapidamente, fomos descendo na
direcção da água, tentando maior firmeza no piso: Passos curtos, joelhos semi-flectidos,
respiração controlada, sem pressa, lá fui avançando. Escolhi uma faixa
intermédia, pouco pisada e onde o pé pouco afundava. Quanto mais económica
fosse a corrida, maior era a probabilidade de sucesso. Ah… e não levava
relógio.
A
“cólica” começou a incomodar, logo por volta dos 3Km. Ai o caraças!!! Não valia
a pena adiar por muito mais tempo aquilo que mais tarde ou mais cedo, acabaria
por acontecer e faço então um DRAT (Desvio de Rota para Alívio da Tripa),
subindo e ultrapassando a “aresta” que separa o plano horizontal do plano
inclinado, o que me permitia deixar de ser visto na minha “privacidade”. Neste
primeiro contra-tempo, a primeira falha :- remexi a bolsa e nada de ver os
lenços de papel, que são obrigatórios. Valeu-me um velho panfleto de uma
corrida, que ali tinha ficado esquecido. 3 ou 4 minutos depois, retomo a
trajectória e o ritmo de passada que levava e que me permitia ultrapassar
vários corredores que, entretanto tinham passado. Mas…nada de entusiasmar!
Havia tempo de progredir, mas o importante seria manter a frescura o mais
possível.
Chego-me
junto ao António Almeida e ainda fomos juntos algum tempo. Foi aqui que tive a
única informação quanto ao tempo feito, quando ele me diz : “Eh, pá 18,5Km em
duas horas!? Não vai mau!”, ao que eu respondi que, lá mais para a frente, de
certeza que viria a pagar a factura.
O
sol ia aquecendo, o António deixou-se ficar num ritmo mais suave e eu, sabendo
que ele corre bem mais que eu, comecei a achar demasiada ousadia da minha
parte. Mas sentia-me bem, apesar de ver ao longe aquele pórtico intermédio tão
pequeniiiiiino! E corria, corria…e não o via “crescer”. Não podia fixar-me
nele, mas sim distrair a mente e apreciar a paisagem ou, simplesmente, pôr os
olhos na areia, cabisbaixo, à espera que o tempo – e a distância - passassem.
Vai um gel, dos três que tomei (de maçã, que me caiu que nem ginjas).
Finalmente, alcancei-o. Ufa! Pouco depois, começo a sentir pela frente uma
brisa “abençoada” que muito ajudou a retemperar o corpo, mesmo soprando de
frente. Mas era uma brisa, nada comparado àquilo que aconteceu em 2011 em que
tínhamos de inclinar o corpo para vencer a forte ventania que nos travava a
progressão. Agora não. Era fresquinha e sabia bem.
Dão-me
duas garrafas de água (a que eu levava na mão, desde início, tinha-a feito
durar até ali). Uma em cada mão, lá vou eu, sem fazer qualquer paragem.
Às
tantas, comecei notar uma quebra no ritmo e a sentir um certo “chamamento”
daquelas águas. Surge o dilema: Ou continuo a correr, mesmo agastado a ver até
onde é que consigo ir; ou faço uma paragem por vontade própria, refresco-me com
um mergulhinho e retomo a corrida com outra disposição. E acabaria de vez com
aquela ideia do “apetecia-me era um mergulhinho, apetecia-me era um
mergulhinho…”. Ganhou o mergulho. Aos 37,5, logo após o controlo…espera aí que
eu já te digo : tiro o cinto, os óculos, o chapéu e “lá vai ele ao banho”. Li
em qualquer sítio que era contraproducente, ir ao banho durante a prova, mas a
verdade é que, naquelas condições de temperatura, achei uma excelente solução.
E resultou. Para além de reduzir a temperatura corporal (e a consequente
necessidade de hidratação) , permitiu-me bochechar com água do mar, combatendo
de forma tão simples, a instalação de uma hipotética hiponatrémia, seguindo um
conselho de “tradição” do amigo António Miranda. Depois disto, não senti quebra
no andamento. Antes pelo contrário, aumentei o ritmo e ganhei vários lugares e,
quando chego à última curva, vejo o pórtico. Talvez mais um Km. Subo, na areia
solta os últimos 50m. O relógio da meta indicava 4,48,01! Agora sim, tinha
curiosidade em saber o tempo, mas pela forma como me tinha corrido a prova,
comparada com as anteriores, tinha um palpite que andaria abaixo das 5h. Estava
feita a minha 8ª. Lá vêm as felicitações de amigos e, como não podia deixar de
ser… as náuseas (que também vêm sempre “felicitar-me”). O repouso, as bebidas,
a fruta, a conversa e ir vendo a chegada vitoriosa e feliz dos outros
companheiros de jornada.
Terminada
a prova ouvem-se os comentários e compara-se com a nossa própria apreciação.
Mas isso será matéria para um novo apontamento.