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terça-feira, 19 de julho de 2011

Raide Melides-Tróia (UMA) 2011


Imagens registadas pelo Joaquim Adelino a quem fico muito grato.

Participar no Melides-Tróia está-me no sangue. Desde que em 2005, fui “picado pelo bicho” e pelas grandes reflexões a que este desafio me obrigou (e que, honrosamente, “contagiou” alguns novos companheiros), nunca deixei de estar presente. E sinto-me com sorte por ter tido sempre capacidade física e psicológica suficiente para concluir a prova.


Esta foi a 7ª edição e aquela que maior número de inscritos alcançou (mais de 280), muito fruto da excelente divulgação feita aquém e além fronteiras, desta Ultra Maratona Atlântica, de características únicas, com um futuro promissor e que cada vez tem mais procura pelos corredores com espírito de aventura.

Mais uma vez, lá estive. Confesso que não senti grande ansiedade. Erradamente, até descurei um bocado o respeito que a Prova merece, mantendo a mente despreocupada, armando-me em forte, como se a experiência dos outros anos, fosse o garante de que tudo iria correr às mil maravilhas. E até tive o descaramento de dar conselhos, imaginem! Manias.

Mas, vamos lá ao que interessa.

Desde a edição anterior, pus na cabeça uma alteração da estratégia para enfrentar a próxima participação : nada de mochilas (bastará uma bolsinha com uns géis e um cubo de marmelada e um cinto com 3 “gerricans” de 1 dl que comprei no Lidl) , uns lenços de papel (para uma eventual emergência), um saco de plástico (pode não servir para nada, mas não pesa nada e, em toda aquela extensão em que só existe água e areia, um saquinho de plástico pode assumir as funções do mais requintado cadeirão. Esta “jura”, fi-la no ano passado, quando passados 5km, ainda tinha a mochila carregada e os ossos a começar a doer por força do peso que transportava. Logo, se desta vez levar água que dê até aos 28,5 (abastecimento oficial), não é preciso ir carregado; nada de calçado (ou melhor, apenas peúgas). É que na última edição, chateei-me com os sapatos que estavam constantemente a encher de areia. A meio da prova, levo os sapatos na mão até aos 28,5 e pedi à Organização que mos trouxesse para a chegada e fiz o resto da prova só com as peúgas e achei excelente. Vai daí, para este ano, resolvi ir de peuguinhas logo desde o início.

Porém, na UMA, o que é válido para um ano, já pode não ser para o ano seguinte. Apenas sabemos onde a prova começa e onde acaba. Entre uma coisa e outra, tudo é imprevisível. Há sempre qualquer coisa que nos troca as voltas; Estamos sempre a ser “fintados”.

Depois de cumprimentar muitos (e cada vez mais) amigos “habitués”, juntámos a malta da ACB para a foto de família (Eu, o Carlos Fonseca o Arlindo Duarte e o Rui Silva,  já conhecedores do percurso, o Fernando Celestino, o Pedro Burguette, o Paulo Moradias e  o Vitor Rafael, que iriam ter a 1ª experiência. No apoio, estiveram o Tam Afonso, o Tó Jó e a Lúcia Oliveira). Ouvimos umas palavrinhas da Organização, e calmamente, encaminhámo-nos para o pórtico da partida. Falávamos em procurar manter um ritmo de 7’/km o que daria um tempo próximo das 5h.

É dado o tiro e, desta vez não vi hesitações na escolha da trajectória. Todos se encaminharam para o ”piso inferior” – da areia molhada - pouco temendo que os pés se molhassem com alguma rebentação mais atrevida. Surpreendentemente, o troço de areia fofa, ao contrário dos anos anteriores em que se estende por 6 ou 7 km, desta vez foram apenas uns 500m se tanto! A areia estava fantástica: lisa, compacta, como se nos tivessem estendido uma enorme passadeira onde a corrida era fácil. O Rui e o Arlindo, nos seus ritmos mais fortes, foram para a frente e nunca mais os vi. Quando a fila começou a esticar, olhei para trás e lá vinha o Paulo que, dali a pouco estava ao pé de mim. Fomos juntos, a cerca de 6,30, um andamento excelente, na parte que, pensava eu, seria a parte mais difícil. Não estava calor e uma brisa suave que soprava de frente, não dificultava em nada o andamento. Estava contente com a opção de correr de peúgas. Sentia os pés livres.

Debaixo de olho, tínhamos uma referência incontornável do pelotão: a cerca de 50m, lá ia a Analice, camisola florescente, marcando o ritmo, com tendência para se afastar de nós. Ora, se nós íamos bem, ela ainda ia melhor.

Aproximámo-nos do Carlos Fonseca, sinal de que ele não iria muito bem, mas manteve-se à nossa frente.

Por volta dos 15km começo a notar uma perda do andamento, confirmada pelo GPS do Paulo.

Já nos estávamos a aproximar dos 7’. O vento começava a fazer efeito, obrigando a um esforço suplementar. Disse para ele seguir, pois ainda faltava muito e eu tinha de controlar a coisa enquanto podia. Mais lento, lá fui andando, com o vento de caras e cada vez mais forte. A ajudar a festa, progressivamente, o piso que habitualmente era bom, apresentava-se agora bastante difícil, muito por força da maré que, ao encher, inundou a “pista”, obrigando-nos a outro esforço suplementar.

Subitamente, sou ultrapassado pelo Fernando Celestino! Que bem que ele ia. Passa o Alex, também num andamento bastante controlado e eu…nada.

Nunca mais chegava à Comporta (28,5km -onde estava o abastecimento) e o meu andamento ia sendo cada vez mais deplorável. Passa o Luis Parro e eu nem reagi. Sabia que ele tinha feito uma boa preparação e limitei-me a desejar-lhe boa prova. Dizia ele por brincadeira, que “nestas condições, os tempos não vão ser homologados”, que o “piso estava uma auto estrada”. Ainda não sabia era o que vinha a seguir.

Lá longe, começava a ver-se uma mancha negra na areia. Seria a Comporta. Mas para lá chegar…

Vezes sem conta, pensei esquecer-me de que andava a correr e apetecia-me fechar os olhos, como se fosse passar pelas brasas. E cheguei a fazê-lo, mas sempre fazia desvios inconvenientes e tive que deixar a soneca para quando chegasse.

Ao meu encontro, com um chapéu igualzinho ao meu e uma T-Sirt da UMA do ano passado, veio o nosso amigo Joaquim Adelino, que este ano viu a prova de um outro prisma, equipado com a sua maquineta e correu ora a meu lado, ora atrás de mim, pensava eu que era para tirar fotografias. Afinal, estava mesmo a filmar. Obrigadão Adelino, ter um repórter amigo é um privilégio. Ah… e quando me disseste que eu estava com sinais de desidratação, fiquei a pensar naquilo. É que eu tinha os lábios brancos por causa de um baton branco que tinha posto para protegê-los, eheh. Também o Eduardo Santos estava por ali a fotografar a malta e registou a minha passagem. Obrigado Eduardo.

Chegado à praia (ou melhor, ao sítio onde estava gente acumulada), um aplauso e um incentivo do amigo Nuno Tempera dos Run4Fun que estava ali a trabalhar para o bronze e a fazer inveja aos passantes. Recebo as 2 garrafas de água, despeço-me do Adelino e continuo entregue à minha sorte.

Vinha-me à lembrança que no ano passado, naquela zona, tinha feito uma pausa na corrida e ido dar um mergulhito, que soube muito bem. Mas agora não estava para aí virado, até porque não estava calor e a ventania e a roupa molhada iriam enregelar-me o corpo. Não. Depois vem outro dilema: continuar a correr com a velocidade com que se anda (tal era já o empeno) ou pôr-me a passo ? Optei pela 2ª, mas procurando manter-me com um passo activo. Passa a Graça Roldão, passa o Carlos Fonseca e muitos outros. Tomo um gel e água. Passados 20’ volto a pôr-me a correr. Progressivamente, fui ganhando ritmo e recupero muitas das posições que tinha perdido: o Parro (que já dizia ter falado antes do tempo) e a Graça. Já tinha a Analice a poucos metros e estava convencido que a alcançaria. Mas eis que levo uma nova “martelada psicológica”: quando pensava que estava a atingir os 40Km, vejo a bandeira dos 37,5!

Lá tive de me pôr a passo novamente e lá voltei a perder lugares. Um bocadinho antes da última curva, pus-me novamente a correr, pois não tinha jeito entrar na parte final a passo. Lá está o pórtico “pequenino” e conforme posso, aproximo-me dele, corro esforçadamente, os últimos metros em areia solta e chego ao tapete! Nem mais um metro! Páro, ergo os braços, por ter concluído a Prova e lá vem a maldita náusea. Um desviozito para a direita e encosto-me à grade, com aquela desagradável sensação. Aproxima-se de mim o Sobral, com uma garrafinha de água para aliviar. Confessou-me que a mulher, a Umbelina, lhe tinha dito:- “Oh, lá está o Andrade! No ano passado calhou-me a mim, este ano vai lá tu!”. Eheheh. Obrigado Sobral. O que vale é que aquilo dura um minutinho. Ora, o que é isso comparado com as 5h30m que demorei a fazer a Prova?

Depois, foi a melancia do costume e o tratar das bolhas nos pés na tenda da Cruz Vermelha, onde, simpaticamente fui atendido. Reagrupámos a equipa junto ao leitão que o Nuno Espírito Santo tinha à nossa espera (pena que eu não tivesse estômago para outra coisa que não fosse MELANCIA).

Conclusões :

Acertei em não ter levado mochila. Não me fez falta nenhuma.

Acertei” o caminho para a meta. De resto,

Falhei em ter corrido de peúgas. Será bom se o piso for mole, mas se for duro, como aconteceu este ano numa grande extensão, o impacto é muito forte, principalmente para quem não está habituado a correr descalço. Às tantas, tinha que escolher um trilhado na areia, para amortecer o passo e diminuir a dor que ia surgindo.

Falhei por esquecimento de comer qualquer coisa antes da partida. Tinha tomado o pequeno almoço às 4,30 e não voltei a meter nada no estômago, começando cedo a ter uma sensação de vazio.

Falhei na preparação. Fiz pouca coisa, principalmente os treinos longos que são essenciais para este tipo de esforço.

Falhei no andamento inicial. 6,30, parece que é moderado mas, para quem não estiver bem treinado, mais tarde paga a conta. E desta vez, com a passadeira que tínhamos no início, era fácil irmos “ao engodo”.

A Organização, como vai sendo habitual, esteve muito bem e é merecedora das nossas sinceras felicitações.

Por ter de sair mais cedo, com pena minha, não assisti à entrega dos prémios nem, participei no lanche que foi oferecido à rapaziada, mas, para o ano há mais. Assim a sorte me ajude.

16 comentários:

Vitor Dias disse...

Grande Fernando.
Li do princípio a fim. As sensações e emoções não são demonstradas de outra forma se não através da tua contagiante escrita.
Parabéns e bom descanso.
Vitor Dias

Pedro Ferreira disse...

Com esta crónica, até parece que também fui convosco! Parabéns por mais este feito!

JH disse...

Grand'a Fernando,

Como já tive ocasiao de te dizer parabéns por mais UMA ... e agora a ler o teu relato deixaste-me ainda mais arrependido de nao ter ido. Para o ano como dizia o outro ... I'll be back.
Recupera-te...

P.S. Além da melancia a cerveja também costuma "entrar" como ginjas...
Joao

Anónimo disse...

Também li do princípio ao fim (para o Vitor não se por ali a armar...).
Se estiver por cá e com coragem, talvez na próxima edição me estreie.
Parabéns e aquele abraço.
Meixedo

joaquim adelino disse...

De facto fiquei preocupado com o teu especto, mas pronto aceito a explicação.
Ainda não disse mas confesso agora que aqueles 200/300 metros feitos atrás de ti foram um tormento, para além da fraca preparação que ainda tenho nesta altura o teu ritmo não era assim tão fraco e depois aquela ventania ainda tornou a minha função muito mais difícil, estava a ver que o abastecimento nunca mais chegava... para te ver prosseguir, é que nem sequer paraste, pois não admira tinhas o Parro em mira e havia contas a ajustar, só que o Parro não dá facilidades a ninguém.
Para o ano quero regressar e gostava de ver por lá o Vitor Dias e também o Meixedo, pode ser que o contágio funcione depois de mais esta brilhante crónica sobre uma prova fabulosa.
Abraço.

JoaoLima disse...

Excelente crónica que nos leva dentro do que foi a corrida!

Um abraço

luis mota disse...

Olá Fernando
Acertaste em ter voltado, o que é o mais importante, para um dos poucos totalistas da prova.
Logo na partida verifiquei que a opção eram as meias, eu optei por umas “pantufas” e acertei.
Uma boa recuperação companheiro.
Luís Mota

António Almeida disse...

Parabéns por mais UMA, se esta UMA até é para todos ser totalista isso sim é para poucos, muitos poucos, parabéns por isso.
Abraço.

Vitor disse...

Amigo Fernando,
Mesmo estando longe, hoje ao ler a historia da tua prova senti-me que como ali estivesse a correr aquele imenso areal de Melides ate Tróia.
Felicito pela coragem em não querer faltar á UMA mesmo sabendo das limitações, muitos parabéns por mais uma UMA e a ter terminado.
Agora é descansar do esforço dispensado!!
Grande abraço
Vítor Veloso

Unknown disse...

olá Fernando;

Parabéns....por este excelente texto.
Parabéns ..pela tua excelente prova, e pela determinação de venceres todas as dificuldades.

Um grande abraço dos Xavier's

Anónimo disse...

parabéns Fernando

horticasa disse...

Parabéns Sr Fernando, isso é obra de gigantes...
Boa recuperação é o que lhe desejo.
bj eugénia

mariolima52 disse...

Fernando

Um relato que diz tudo. Enganamo-nos com aquela 'passadeira' inicial, até parecia fácil de mais.

Mas o vento forte e o terreno inclinado após a Comporta (começou um pouco antes), fez com que de novo o espectro do ano passado estivesse presente.

Foram 14,5 km finais de muito querer e muito sacrifício.

Desde 2005 andas nestas andanças da UMA, e por mais que queiras pegar num tema de um ano anterior e 'chapá-lo' aqui como se a prova fosse igual, de certeza que nunca o farás.

Cada ano é diferente do outro e só quem lá corre é que sabe o que aquilo é.

Sofrer será sempre um prazer numa prova como esta? Penso que sim, senão não voltaríamos a fazê-la.

É uma prova sem igual, é uma prova só para DUROS!

Parabéns por mais esta tua prestação.

Fernando Andrade. disse...

Caro Vitor
Obrigado pelas tuas palavras, mas quero ver-te lá na próxima.

Olá Pedro
Também não tens desculpa para não alinhares, pois experiência de areia já tu tens.

Grande João
Isto do Triatlo fez com que não pensasses tanto na UMA e deixaste para 2º plano, os encantos que esta prova tem. Mas não te esqueças de que já tomei nota que em 2012 lá estaremos a palmilhar aqueles 43.

Amigo Meixedo
Tal como disse ao Vitor, gostava muito de o ver por cá em 2012. E porque não termos cá os Portorunners em força, hein? Já sabemos que é tudo malta que não vira a cara a nada.

Grande Adelino
com que então aqueles 200 metros foram um tormento? Olhe que o pior foi a partir dali da Comporta. Mais uma vez quero agradecer-te todo o apoio que me deste.

Caro João
Obrigado pelo comentário. Um dia hás-de testemunhar o que eu disse.

Grande Luis
Sempre em grande forma. Parabéns pela tua excelente prova. Tinhas razão quando logo no início torceste o nariz ao facto de eu ir de peúgas. Até metade foi bem, mas depois...

António
Cada vez estás mais refinado, Homem! Parabéns pela excelente prova que fizeste. Qual vento, qual quê!?

Grande Vitor
Obrigado pelas palavras. Pena que não tenhas podido lá estar. Em 2012 tenho a certeza que não vais falhar.

Oi Xaviers

Muito obrigado pelo comentário. Tenho a certeza que gostarias de fazer a UMA Agenda lá umas fériazinhas a jeito para 2012. Então e o UTNLO ? Estamos lá novamente?

Obrigado Carlos
Estranhei ver-te por ali e não teres corrido, mas a tua missão era outra - e não menos nobre.

Olá Eugénia, Obrigado.
Gigantes? Oh p'ra mim! Cá para mim, basta poder e gostar de correr. Isso ultrapassa a dificuldade que é real no durante, mas aparente depois de concluirmos a prova.

Grande Mário
Continuas em grande forma e a ser um dos duros.
Parabéns por mais esta.

A todos, agradeço as palavras proferidas e deixo um forte abraço.

Muito Obrigado.

tutta disse...

Olá Fernando tudo bom?
Cara, correr uma maratona descalso mesmo sendo em aréia não é mole não.
Você tá de parabéns.
Abraço e boas corridas pra você aí.


tutta
www.correndocorridas.blogspot.com

Fernando Andrade. disse...

Obrigado Tutta.
Não foi bem descalço, mas foi quase. Cheguei ao fim com as peúgas rotas e com duas grandes bolhas no pé esquerdo. Mas já está bom.
E já estou inscrito no UTNLO.
Abraço.