Lá fui ao VII UTNLO, uma Prova em que o cenário medieval nos
envolve à partida e à chegada e, entre uma e outra, nos entranhamos, noite
fora, pelos penhascos, pelas dunas consolidadas (umas sim outras não), pelos
pomares de pêra rocha (ainda não apanhadoira), pelos eucaliptais de folhagem
reflectora, quais estrelas de prata num festival “luminotécnico” , pelo charco
da Lagoa (e de alguns dos seus braços), pelos passadiços de madeira da praia,
ora trepámos com o auxílio de cordas ora descemos com o das “nalgas” e dos
cotovelos. E a festa durou até ser dia.
Chegada a Óbidos .Encaminho-me para o local da entrega dos
dorsais, onde decorria exposição de material adequado à modalidade. Ainda
pensei em comprar um frontal, mas pensando bem, ponderando os preços por um
lado e a qualidade do atleta por outro, o que tinha comigo haveria de dar luz
suficiente para iluminar o caminho. Fica para outra altura. Muita gente
conhecida, muita gente amiga, cumprimentos da praxe, conversas de circunstância
e….estava na hora de comer qualquer coisa que servisse de jantar fora das horas
habituais.
Equipo-me : calções,singlete sobre camisola de manga
comprida, peúgas de compressão (ou meia compressão) sapatos todo-o-terreno (ou
meio todo-o-terreno) e o tal frontal (ou meio…bom, já chega). E o que levar
mais, que não encontrasse nos abastecimentos e que me fizesse falta? OK, um
cinto com dois boiões de água e uma bolsa para pôr o telemóvel, lenços de papel
e coisas que já estava mesmo a ver que não ia utilizar: uma barra energética e géis,
mas lá fui carregado com aquilo, pois nunca se consegue prever com exactidão o
que lá vem.
Chego ao Jogo da Bola, local da partida simbólica. Já havia
muita gente. Nem consegui encontrar o pessoal da minha equipa para a foto. Lá
estava o Sabino, no mesmo sítio do ano passado e o Fonseca (e os filhos, que estão a seguir
as passadas do pai) também no mesmo sítio do ano passado e a Paula, sua esposa
, que ainda captou esses momentos.
Homenagem – Após as recomendações dadas pela organização, foi
prestada homenagem ao João Marinho, cujo corpo foi encontrado poucas horas
antes lá nos Picos da Europa, onde desaparecera em Novembro. Ele, que adorava
os desportos de aventura, tal como todos aqueles que ali estavam para correr em
Óbidos. Um momento merecido e sentido pelos presentes.
Entre partidas– Olha o Rui Vieira, o homem forte de
Tagarro! Lá fomos conversando. Dantes, o pelotão, embora a trote, ainda podia
ir correndo ao longo da histórica Rua Direita. Isso deixou de ser possível,
pois é grande o número de atletas, grande o número de turistas e estreita a
rua. Esse trajecto teve que ser feito a passo, sem a espectacularidade de
outros tempos. Mas já lá vamos.
Partidas – Junto à porta principal do Castelo havia dois
pórticos: um correspondia à partida dos 55Km (diziam eles) e dos 10Km, outro dos 25 Km. Olha a malta da ACB
: Nuno Sabino, Pedro Burguete, Paulo Saramago e Sérgio Cajado. “Fernando, vamos
para 10 horas!, queres vir connosco?” –pergunta-me o Pedro . Resposta :”-Eh pá,
isso também me parece muito, tenho que me despachar mais cedo!” Mal sabia eu…
Começo – Necessariamente calmo, com prudência, pois sabia que as dores na canela esquerda, que me
tinham surgido há 3 dias, apesar do repouso e do voltaren que apliquei, poderiam
acordar e obrigar-me a abandonar.
Felizmente, não me atormentou o que me tornou mais confiante. Pode ser
que tenha passado.
Primeiros Kms – Ainda com os atletas muito aglomerados,
chegam os primeiros obstáculos difíceis de transpor e que obrigam a uma grande
acumulação, pois só passava um de cada vez e… a subir. Aqui, aqueles que tencionavam correr em
grupo, tiveram dificuldade em não se dispersar, com paragens lá mais à frente,
para reagrupamento. Assim fizeram os amigos dos Run4Fun, cuja numerosa equipa
alcançou excelentes resultados no final (e chegou junta).
O percurso foi “tramado”! Ainda há quem diga que esta prova
é muito “corrível”, mas eu digo que é mais “trepável” . Dos 55 Km (diziam eles!)
talvez 20 fossem adequados à corrida. Estou a lembrar-me do 1º Km e da parte
que envolve a Lagoa, entre os dois últimos abastecimentos. As outras partes em
que, eventualmente corri, ficaram “abafadas” com o “trauma” das escarpas que,
se não fossem as benditas cordas, ia ser o bom e o bonito.
Os abastecimentos estiveram irrepreensíveis. Cumpriram
integralmente o prometido. Líquidos onde era para ser líquidos, líquidos e
sólidos onde era para ser líquidos e sólidos. E quando havia sólidos, oh-lá-lá…bolachinhas
de baunilha, biscoitinhos doces e salgados, batatas fritas, peras cortadas em
quartos, laranjas, tomate com sal, melão, melancia! MELANCIA!!! Ahhhh que bem
sabia. Havia ainda mais coisas, mas eu só via a MELANCIA . O meu receio era
empanturrar-me e ficar com o estômago às voltas (o que é muito fácil). Vá, comi
também duas bolachinhas de baunilha) em cada abastecimento e caíram-me bem.
Aproveitava e voltava a encher os boiões: um com água e outro com coca-cola.
Eu, que no dia-a-dia tenho andado abstémio em relação à coca-cola, nestas
provas fico completamente obcecado com ela. E sabe-me bem. Se faz bem, isso já
não sei.
Não fazia a menor ideia dos sítios por onde andava. Mesmo as
localidades que atravessávamos, não tinham toponímia à vista (pois não
lembraria ao diabo colocar placas a quem aparecesse dos fundos do descampado.) É claro que se tivesse o mapa na ponta da
língua, ou aqueles tracks xpto saberia, mas eu tenho a mania de me guiar pelas
estrelas mesmo sem perceber nada de astronomia.
Noite fora fui progredindo, sem saber que tempo tinha de
prova (nem perguntei a ninguém para não
me desanimar ou me iludir).
Agora era a parte “corrível” e coloco-me no ritmo da Analice,
que sei ser um ritmo “certeiro”. Sair da praia contornando a Lagoa. Para muitos
é a parte chata, por ser plana, mas para nós foi o melhor período da jornada.
Disse para a Analice que a continuar
assim, bastariam 9,30h para completar a prova. Passámos por muitos que,
saturados, iam a passo. Atravessámos o charco, recomeçámos em terra firme e lá
atingimos o abastecimento do Miradouro. O último. Quando lá nos dizem “bom dia”
com a noite ainda tão escura, temos uma sensação estranha. Abastecemos.
Faltavam 8 Km, que vieram a revelar-se demolidores. Mas o problema maior que
encontrámos, foi a luz do dia, que nos escondeu as marcações só visíveis quando
a fraca luz dos frontais incidia neles. Quando vem a luz solar, as marcações
ficaram às escuras. E nós desnorteados.
Chegámos a uma estrada asfaltada. O aviso estava lá, com a indicação
para a direita. Que bem que sabia agora corrermos pelo alcatrão. Do lado
esquerdo uma encosta escarpada, à direita, uma vinha, só podia ser em frente.
Marcas não se viam, por mais que abanássemos a cabeça, na esperança de que uma
réstia de luz do frontal descobrisse uma marca. Nada. Mas se era para a direita, tinha que ser por
ali. Connosco vinha um colega, João Almeida,
que tinha confiado no meu “instinto” de guia. A estrada bifurca-se e
marcas…nada! Vai de telefonar. Tinha o número do Eduardo Santos, do Mundo da
Corrida e ele pôs-me em contacto com o Jorge Serrazina: “Eh pá…era lá atrás, ao pé de um pinheiro
grande; era só atravessar a estrada” –diz-me ele. Voltámos para trás e lá
estava a marca. Por alguma razão nem sequer tinha olhado para lá. É que nos
encaminhava para um “paredão” enorme, coberto de vegetação, uma das mais
improváveis rotas que nos poderiam dar a seguir. Com cordas lá pelo meio! Trepámos.
À nossa frente já iam atletas que há 2 km atrás, estavam a 2 ou 3 km atrasados
em relação a nós. Marca indicando que faltavam 4Km, quando o sino da igreja
dava as 7 badaladas. Segue-se uma sequência de zigues a subir e zagues a descer
e, dali a pouco, lá estávamos fora do traçado novamente. Irra. E as mesmas 3
alminhas perdidas mais uma vez. Encontro uma marca, mas não vejo jeitos de ali ter
passado alguém. Pudera, era uma marca de 2014. Telefone de novo. Desta vez foi
para o Orlando Duarte, que me tinha ligado pouco antes de nos perdermos. Lá
retomámos o rumo certo e reparo que vinha um elemento vestido de amarelo. Era
da Organização. Vim a saber que, afinal era o atleta-vassoura, eheheh. Aparece
o Serrazina, pronto para ajudar, mas já tudo estava sob controlo. Agora era
abordar o Castelo e subir aquela escadaria. Depois, entrar na “porta
da traição” ao lado da lendária Analice e entrar no castelo encantado, ao cabo
de 10,45h de prova, num momento que o Orlando Duarte captou com mestria e que é
um dos melhores troféus que já recebi.
Por agora, fico-me por aqui. Mas também quero dar uns “palpites”
sobre este fantástico VII UTNLO.
3 comentários:
A chegada de duas grandes personalidades do nosso desporto de eleição!
Muitos parabéns, Fernando!
Um abraço
Como calculava, deve ter sido um pesadelo orientarem-se durante o dia! Parabéns Fernando, ainda não é desta que deixa de ser totalista! Um abraço e até à próxima!
Muito obrigado, João Lima
Muito obrigado, Filipe Torres
Foi uma jornada looooga, mas que acabou bem. Uma prova de que gosto muito, mas que, durante o percurso, nos foi merecendo alguns reparos, de que falarei num próximo texto. Grande abraço.
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